terça-feira, 19 de abril de 2016

Viagem ao rio Formoso e Loroti

Nossa viagem ao rio Formoso do Araguaia



Quando Dudu e João eram pequenos, eu tinha o costume de contar a estória do índio Curumaré para eles. Na cama grande do nosso quarto, à noite, era sagrado, logo depois da oração, um capitulo dessa estória que se estendeu por muito tempo; não dormiam sem a bendita seção.

Curumaré, índio javaés, morava no Araguaia, solitário, muito querido por duas crianças filhos de um fazendeiro da região. Sempre que possível, as crianças montavam a cavalo e iam visitar o bom amigo; nas férias costumavam empreender longos passeios pelas terras misteriosas dos javaés quando aprendiam boas coisas novas.

O tempo passou, eles aprenderam a remar, e agora com 13 e 10 anos de idade chegara à hora de tornar realidade àquela estória. Começamos a organizar a viagem.

Dudu, João, eu e Zé nosso primo, sentávamos no chão em parelha de dois para tirar as medidas do comprimento do barco; calculávamos que tralha era necessário para acampar 10 dias, e cubicavamos tudo; tendo as dimensões que serviam as nossas necessidades começou o desenho do barco; para tal, ajudou muito o “Design Iatch”. Depois de muita discussão quando todos colaboravam, começamos a construção na oficina do Zé; o trabalho era sempre após o expediente e ia noite adentro; algumas vezes João não agüentava e adormecia no casco semi acabado; finalmente o barco ficou pronto, tendo um deposito para gelo na proa; o Zé construiu uma carreta própria para ele.

Ainda me lembro das noites frias naquela oficina aberta, o “goteirão” e os pedaços de lingüiça que assávamos num fogo de cavacos. A boa vontade do Zé de criar coisas diferentes é fenomenal.

Eu, do meu lado, forcei a ginástica, diminui bem o peso, ganhei forças, me preparando para o passeio. As crianças se esforçaram no estudo para não pegarem recuperação e não atrasar a partida.

Os detalhes foram levantados, adquirimos mapas do exercito na Pauline, uma barraca para dois, redes com mosquiteiros, munição para a 12 e a 22, material de pesca, lampião fogareiro, enfim, nossa tralha.

Eu programei irmos ao rio Loroti e no Formoso que são dois afluentes do Javaés braço direito do Araguaia quando este forma a ilha de Bananal, e já meus conhecidos dos bons tempos de solteiro quando freqüentei a fazenda Loroti cujo um dos donos era o Pilades Prata Tibery de Uberaba; tinha feito boas amizades por lá e esperava encontrar apoio agora.

Minhas estórias que as crianças tanto ouviram eram baseadas na vivencia própria naquela região; mas já se iam 25 anos --- .     

A medida que o dia da partida se aproximava ficávamos mais ansiosos, Joãozinho parecia que vivia sonhando; seus colegas não entendiam como é que ele ia caçar e pescar em terra de índio.

Finalmente, no 22 de julho de 1985, as 6.30h, partimos ao encontro da grande aventura – íamos remar uma semana nas longínquas águas do índio Curumaré; não saímos antes, pois me baseava na lua cheia lá no Berohokan.

Deixamos nosso Paraíba, ultrapassamos a Mantiqueira, veio Barbacena, Belo Horizonte, e, as 15,15h reverenciamos o velho Chico em Três Marias com toda sua imponência; agora vamos cortando os afluentes do Paracatu – rio Santo Antonio, Sono, Prata, e finalmente o próprio Paracatu (rio onde fiz com a turma de Valença boas caçadas de perdizes), as 18,30h, 925k percorridos, paramos na cidade para um descanso. 

Dia 23 – às 6h deixamos Paracatu alcançamos Cristalina lugar das pedras semi preciosas onde se compra na estrada mesmo, enfeites bem trabalhados, contornamos Brasília, veio Anápolis, e as 11,30h chegamos em Jaraguá (onde com Fernando Sampaio visitei uma plantação de café que deu errado; pretendiam 3 milhões de caféeiros); um almoço na churrascaria Gaúcha com mandioca amarela, e seguimos. Bem, até aqui não era novidade, pois eles já conheciam quando visitaram a Evelise e o Pedro em Brasília, enquanto eu e Zé fomos pescar no rio Verdinho em Luis Alves onde meu dentista tinha um acampamento. 

Agora, de barriga cheia, viajávamos pela lendária Belém-Brasilia, obra do desbravador Bernardo Saião. Em Ceres, onde o B. Saião criou a primeira colônia agrícola (cidade que guardo boas recordações, pois lá o Murilo Tibery abria a fazenda Sibéria onde cacei perdizes e pombas, e, a uns 3 kilometros da porteira uma choça de palha beirando um brejo enfeitado com belíssimas palmeiras Indaiá, abrigava um velho com seus abacaxis fresquinhos que devorávamos uma dúzia matando a sede provocada pelo sol a pino), cruzamos o rio das Almas agora sem os piaus do meu tempo.

Depois, vem Jardim Paulista entrada para Nova América (uma vez, lá entrei de jipe para reconhecer as terras do Bento Sampaio, 4000 alqueires, onde Fernando pretendia  roubar 500 alqueires desde que eu pra lá fosse afim de abrir a gleba; beirando o Crixás Mirim, as terras eram boas, mas, o acesso impraticável; fui mordido pelos marimbondos de chapéu e quase morri; só havia uma fazenda com pioneiros desbravadores que construíram a estrada até lá; tem fotos; 16 pontes de bitola para caminhão; que dificuldade!).

Uruaçu chegou, (lá o Jango tinha uma fazenda onde as maquinas do DNER trabalhavam mais dento dela que na estrada), mais adiante Porongatu, entrada para São Miguel e Luis Alves. As 17 25h alcançamos Alvorada, tomamos um café, gasolina, e continuamos para Gurupi aonde chegamos às 19h, tendo percorrido 2125k ao todo, sendo 600k na Belém-Brasilia que neste trecho corta campos cerrados, o que podia ser monótono para as crianças se não fosse a sensação do desconhecido.

Que surpresa! Chegamos numa avenida de pista dupla com bancada arborizada no meio, iluminada por luz de néon, revendedoras de maquinário agrícola, lojas diversas desde eletrodomésticos até concessionária de automóveis. Só hotel com ar condicionado eram oito; ficamos no Palace hotel ao lado da fabrica de moveis de estilo. Hospitais e casas de saúde são seis; DDD, supermercado com wisky escocês.

Aquela Gurupi que eu conhecera, com um hotel que era um corredor comprido, escuro com quartos nas laterais sem janelas e o banheiro no fundo com uma lata de querosene furadinha por chuveiro por cima do cagador, meia dúzia de casas de palha, poeira violenta, sem luz elétrica, aquela Gurupi sumiu.

Paramos no posto de gasolina quando nos indicaram este hotel, bem arejado e limpo,onde tomamos um bom banho e fomos para a pizaria do chinez.

Fiquei emocionado! Casais jovens vestidos com roupas leves e seus filhos, rapazes e moças de minissaia com bonitas blusas onde se apreciava os seios sem sutiã durinhos em forma de pera, famílias inteiras de imigrantes do sul de bermudas e abanadores – toda essa gente se refrescando com o chope gelado, conversando alegremente ao som duma musica discreta – não era mais as terras do índio Curumaré e do lendário Sherlock! 

Este nosso querido Brasil, apesar de todas as dificuldades impostas pelo Estado, cresce graças ao trabalho pioneiro da iniciativa privada que, desbravando o inóspito cria cidades como Gurupi.

Durante anos, lá sempre esteve o goiano meio índio, na sua letargia milenar, vivendo na fartura oferecida pela natureza pródiga  – proteína a vontade proveniente das águas abençoadas do Berohokan e seus afluentes, estradas aquáticas, e tudo para sua montaria sua moradia seus utensílios suas armas para caçar e pescar. 

A região era cortada esporadicamente por tropas que saindo do Maranhão iam invernar na ilha do Bananal que no inverno oferecia pastagens verdolengas. Um e outro se estabeleciam apascentando o gado nos campos naturais. Agricultura não existia e nem era necessário devido à fartura natural.

Com a Belém-Brasilia do magnânimo Juscelino, tudo mudou. Agora, as lavouras de arroz e soja cobrem o chão antes pasto de capivaras e veados campeiros; o progresso chegou graças aos Sherlock e depois ao povo de olhos azuis que lá do sul vieram para se fixar. Lado a lado com as  grandes empresas  80 000 famílias subiram com sogra, cachorro, tralha, um pouco de moedas e muita vontade de trabalhar e vencer para ser recompensado pela riqueza.

Uma senhora na fazenda Barra Longa contou, que quando chegaram e, antes de tudo fizeram a horta com verduras e legumes, o pomar, a roça variada, cuidaram da porcada, galinhas,  patos e galinholas, vacas leiteiras, os goianos riam deles pilheriando que chegaram com fome; hoje os goianos, vendo o fruto de tanto trabalho, invejam tamanha fartura, mas continuam a viver de peixe salgado e farinha grossa.

A igreja católica mancomunada com os comunistas levou o caos para o campo, porem aqueles que realmente sabem o quanto custou a colonização, fundaram a UDR e não permitirão o descalabro. A estória do Sherlock exemplifica bem a  historia daqueles que realmente tem o direito á terra.

Dia seguinte, 24, fui papear com o gerente do hotel; me contou que só ali chegam em media seis famílias por dia com mudança completa; chegam para ficar, chegam para trabalhar, produzir e prosperar, construir o futuro de seus filhos. È a cidade nascendo!

Na sala do café matinal, fiquei de ouvido alerta; numa mesa em frente, uma família com ar de já ambientada; chega outro grupo e ocupa a mesa ao lado.

-  Oii, chê, donde vens? Somos de Passo Fundo.

 - Chegamos ontem de Rio Vermelho, diz o branquicela de bermudas, chinelo de dedo e abanador; as crianças com o rosto manchado de vermelho devido ao calor; venho pra comprar terras e me estabelecer. Esta é minha família, e apresenta a mulher, sogra e filhos.

-         Não quer conhecer nossa gleba? Tem terra ao lado pra vender.

-         É pra já, diz o branquela.

O papo continua animado, levantam e partem. Mais uma família com toda emoção no peito e a vontade de conquistar, saem à busca da felicidade. È lindo!
O gerente comenta: mesmo antes da escritura, montam rancho para economizar a despesa de hotel.

No dia anterior, no posto de gasolina, nos falaram da fazenda da Brahma acima do Loroti; saí cedo, e fui ao escritório da distribuidora; fomos recebidos pelo Roberto gerente da agropecuária Capiaba, que nos convidou para posarmos na fazenda beira rio Formoso; estava de partida pra Goiânia não podendo nos receber pessoalmente. Que sorte! Um apoio deste não esperava. Nos despedimos agradecendo e saímos felizes á procurar o Sherlock. Chegamos a uma sapataria pertencente à irmã dele; Encontramos a irmã da Jandira esposa do Sherlock que contou que ele vendera tudo que tinha em Gurupi e mudara-se com a família para o Maranhão onde adquirira 3000 alqueires - um homem que está engrandecendo o Brasil; compramos uma conga na sapataria Uberaba nome da cidade donde vieram.

Numa mesinha do bar Gurupi montada na calçada, sentamos para cerveja e refrigerantes gelados a fim de matar a sede; apesar de ser julho o calor seco, para nós minhocas, era acima do costume; uma camionete  encostou, saiu um rapaz com chapéu aba larga, botas, empoeirado, queimado de sol, e no balcão pede um red label com muito gelo; sorve seu wisky com prazer, entra na camionete e continua sua vida.

O Joãozinho ficou na fila do banco Itaú de chapéu, saímos e quando voltamos ele estava conversando com toda familiaridade com um gaúcho enorme – se queres saber a conversa pergunte a ele.

Num outro bar, 3 vaqueiros conversam entremeando o papo com martelinhos de drurys.

Uma sorveteria – entramos; duas moças que nos servem são as donas do estabelecimento; contaram que saíram de Minas vieram pra Gurupi fizeram empréstimo no banco montaram a sorveteria que já está paga; se lá em Minas tivessem ficado, seriam no maximo balconistas duma loja, morando que nem porco confinado num apartamento apertado; aqui tinham casa própria com quintal e piscina .

Todos que para lá foram estão realizados; neste querido Brasil trabalho é o que não falta, é só querer trabalhar!

Um banho de água quente, o refrigerado ligado, e eu matutava na cama:

Em 1962, quando pela primeira vez em Gurupi cheguei, depois de um dia na carroceria dum caminhão comendo poeira, fiquei no tal hotel com chuveiro em cima do cagador, a cidade não passava de meia dúzia de casas pau a pique cobertas de palha.

 em 1973, já posava na casa do Sherlock, ladrilhada, espaçosa, limpa; era a melhor casa da cidade; saí num avião cesna cujo piloto, o “comandante”, candidato a prefeito deu voltas por cima da cidade jogando propaganda sua, enquanto sua mulher num carro com um auto-falante pregava as virtudes do candidato.

Um tempo antes lá estive levando a turma de Valença para pescaria e caçada no Loroti; havia já um simples parque de exposições, que realizava uma; qual não foi a minha surpresa  ao sentar numa mesa encarar de frente com o Murilo!  Foi uma noitada agradabilíssima de conversas relembrando os bons tempos passados; por muitas vezes chegamos naquelas terras a fim de capar búfalos, apartar gado etc.; o Vito Pentagna comprou dum peão do Sherlock uma anta criada na mamadeira que lá estava a venda e trouxe para Valença. Na volta eu trouxe 11 filhotes de jacarés que foram morar nos açudes da Vista Alegre. Os filhotes de ema com seu assovio tristonho não agüentaram a viagem. As pescarias e caçadas no Loroti foram ótimas; o Cirinho cozinheiro fez até biscoito, ele era meu companheiro de pesca, enchíamos a canoa de tucunarés que eram devorados pela turma assados no forno. 

Partimos ao meio dia com destino ao rio Formoso.

 Uma estrada encascalhada nos levou até Dueré, que já tem praça calçada, posto de gasolina, restaurante e casas de material; tomamos um sorvete e seguimos com o mapa aberto para a Barra Longa, procurando com atenção algum animal selvagem; só emas. Uma água fresquinha, um café, e cortando belíssima região de puro campo por caminhos contorcidos por desviar duma lagoinha dum tufo de arvores ou palmeiras alcançamos o Formoso e atolamos num areal – percorríamos terras do bom índio Curumaré. No trabalho de desatolar palmo a palmo, ouvimos barulho de carro – era a policia que de toiota vinha no nosso rastro pensando que éramos pescadores clandestinos; com a ajuda dos dois soldados nos safamos e fomos armar acampamento na companhia deles bem no lugar que pela primeira vez lá estive.

Que sensação! No mesmo ponto que atravessávamos a vau, tinha uma balsa ligando as duas margens, e por baixo da arvore que conheci vinte e tantos anos antes um rancho que para meu espanto era do Milton antigo gerente do Loroti após Sherlock, caçador de pirarucu; com o movimento veio de canoa a nosso encontro, e surpreso ficou quando me apresentei; falou pouco, pois receava a policia porque um filho seu estava na caça do pirarucu nas lagoas do lado de lá; disse para irmos ao seu rancho, mas sem a policia.

Barraca montada ao lado da deles, lampião posicionado, uma água esquentando para uma sopa que foi servida juntamente com o feijão tropeiro deles. Dudu na barraca João na rede apagaram, eu e Zé fomos no nosso barco conversar com o Milton que logo foi dormir; subimos o rio jogando nossas linhadas, e só veio um tracajá no anzol do Zé, fisgado pelo pescoço; as 11 horas nos recolhemos pra dormir, eu na rede e Zé na barraca com Dudu.

Aconchegado na rede me lembrei da ultima vez que vira o Milton – com Pilinha fui a uma lagoa onde ele e dois filhos pescavam o pirarucu; eram mantas e mais mantas do “rei do rio” salgadas e estiradas em varais improvisados; quatro grandes pescados naquela noite estavam sendo destrinchados para a salga; foi um espetáculo inesquecível. Milton construiu casa em Gurupi os filhos também, compraram caminhão e fez poupança com o pirarucu; já não era mais gerente do Loroti, mas permitiram que ele pescasse. Finalmente dormi.

Dia 25. Cedinho levantamos, e para surpresa nossa, eu e Zé estávamos pintados de ferroada de mosquito pium, as crianças não; um café com os policiais e desmanchar acampamento.

Os policias efetuam um trabalho heróico; com toiota barraca e coragem vão apreendendo as redes devastadoras; no carro já tinham algumas e iam a busca de outras; em Gurupi foram avisados que um grupo de profissionais pescava no lago Loroti e para lá se dirigiram; estes profissionais passam a rede num lago devastando assustadoramente, arrastam a rede de fora a fora, não sobra nada.

Neste mesmo lugar, a ultima vez que lá estive, à tardinha matei quatro moleques que foram comidos no jantar; dezenas de jaós cantavam sua monótona melodia, jacus açus esvoaçavam nas copas das arvores, araras aos pares voavam baixo, a noite ouvíamos os peixes malharem na água. Desta vez só urubus! Nem um peixe só piranhas, um ou outro jaó.

Acima do porto, dois acampamentos com geladeira e tudo, barcos com motores, homens pescando; um deles contou que tinha carne de duas antas no congelador que mataram num lago dentro da fazenda.

Tudo pronto, deixamos o carro num ponto visível para o Milton e embicamos para o barraco; um porco meio selvagem estava sendo capado, o que foi novidade para as crianças; muita conversa lembrando os tempos idos, um café com bolinho frito, e, finalmente, lá pelas 10 horas partimos do porto rumando para a fazenda da Brahma rio abaixo.

Íamos felizes, alegres e satisfeitos por estarmos remando no barco construído com tanto carinho; era o sonho Curumaré se realizando.

Nas curvas as praias de areia branca, pelas margens umas arvores cujas flores amarelas caiam na água e eram comidas por pequenos peixes; pela uma hora paramos para um leite com Nescau; aproveitamos e matamos um jacu cigana para fazer iscas; só piranha.

Num dos arremessos que efetuei com a varinha de molinete, fiquei gelado – a garateia fisgou o rosto do Dudu dois dedos abaixo do olho; graças a Deus nada de ruim.

Já eram umas 4 horas e nada da fazenda; estávamos prontos para armar acampamento numa bela praia comprida quando ouvimos barulho de motor; uns pescadores disseram que mais duas curvas e chegaríamos lá; seguimos, passamos a entrada dum lago, e adiante, pela margem esquerda, num barranco alto divisamos as construções. Remáramos cerca de 30 kilomrtos.

Embicamos no porto, e logo um caboclo simpático e risonho nos recebeu; nos apresentamos dizendo que éramos convidados do Roberto, e para nossa surpresa Valdete nos acomodou num quarto telado com boas camas e banheiro de água quente; era nossa idéia armar barraca, mas, diante de tanta gentileza aceitamos, e posso garantir que foi bem melhor!  

Nos acercaram 5 crianças filhos do Valdete que nos ajudaram a levar a tralha barranco a cima. Tudo arrumado no quarto, banho tomado, e outra surpresa – já escurecia quando ouvimos o barulho dum motor – veio a luz, tudo iluminado; fomos levados para outra casa onde nos serviram um jantar com arroz e ensopado de tartaruga regado a limonada; eu num podia acreditar; conversamos com o pessoal na varanda da casa do Valdete; só aí é que percebemos que as mordidas dos mosquitos tinham inflamado.

Naquela noite, no nosso destino, estirados em camas com colchão e lençol, banheiro com água corrente ao lado, aí sim os jaós cantando, depois dum dia de boa remada, barriga cheia, dormimos profundamente sonhando com esta aventura tão esperada, tão relatada na nossa cama lá em Petrópolis a 2200 kilometros distante. Curumaré deve ter vindo nos fazer companhia.  

Dia 26 - Foi um dia de reconhecimento conhecendo as instalações da fazenda.

O Valdete é um goiano como todos os outros  funcionários, da mesma idade do Zé, com nove filhos 8 morando com ele; uma é professora da escola, outro é tratorista, uma filha cuida da casa do gerente, 5 em escadinha até 13 anos; mantem o bigode pretinho.

São 10 casas muito boas com água encanada, luz e banheiro completo; dois grandes galpões para oficina, almoxarifado, garagem; paiol e carpintaria etc. tudo de madeira serrada lá mesmo, radio ligado ao escritório de Gurupi, avião semanal.

Muito diferente do Loroti que tinha barracos de meia parede pau a pique cobertos de folhas de babaçu chão de terra batida, sem água encanada nem luz; o banheiro era o mato e um cubículo fechado com a tradicional lata de querosene furadinha por chuveiro só para as mulheres, pois os homens se banhavam no lago. A comunicação com Gurupi era o cavalo e nas cheias o barco.

Sherlock, quando o jacaré matou seu filhinho na porta de casa, remou uns 100 kilometros para enterrá-lo no Gurupi.

O que não podemos nunca esquecer é que para que as grandes empresas lá se  estabelecerem, ANTES, os pioneiros como Sherlock e Milton desbravaram a região ocupada por índios, milhares de jacarés imensos e  onças em quantidade que provocavam um estrago no rebanho bovino.

Graças a esses destemidos e heróicos homens o progresso lá chegou.

Dos 5 000 alqueires, 200 estão plantados de arroz e o restante é campo natural onde vagueiam umas rezes ao Deus dará; eles têm projeto de uma grande plantação de limões que seriam usados pela Brahma;

Um curral modesto de taboas locais, uma serraria bem montada para uso próprio.

Fomos ao curral distante da sede uns dois kilometros e beira rio, onde as crianças se divertiram atirando de 22 nas pombas verdadeiras que depois de se saciarem na palhada do arrozal revoavam posando nas copas das arvores; brincaram também no curral com os bezerros.

Me lembro da grande curralama do Loroti, beirando o rio Javaés, construída de grossos paus em pé um ao lado do outro forte bastante para agüentar o tranco dos búfalos; matei muita pomba no vôo que passavam baixo por cima do curral e quando caiam no chão levantavam poeira.

Por baixo da barranca numa pequenina praia onde os peixes são destrinchados  as crianças pescaram de varinha uns pacusinhos que fritos são uma delicia.

Reparamos que os cascos de tartaruga são utilizados para farinheiras, fruteiras, enfeite, enfim, tigelas de muitos usos. 

Os comunistas estão atucanando aquele povo dizendo que eles tem direito a um pedaço de terra; o que fariam eles sem o apoio da Brahma? Na empresa eles desfrutam das boas instalações, da luz, água encanada, radio com Gurupi, avião, recebendo salário, educação, assistência medica.

A tardinha, depois de um banho, no refeitório a filha do Valdete ofereceu um jantar farto com pirarucu no molho de leite de coco, que estava conservado no freezer; eles teriam estas boas coisas sem a força da Brahma?

Malditos PT e PDT que querem implantar o caos!

O por do sol sobre o Formoso, os João Pinto amarelos e pretos que lembram até no canto o Corrupião se ajeitando para dormir nos seus ninhos dependurados nos altos galhos da arvore beira rio, os jaós cantando o “eu sou jaó”, o gostoso ar seco e quente, a sensação de liberdade, o cansaço dum dia movimentado, o bem estar produzido pelo banho e pela boa refeição, a expectativa do dia seguinte, tudo isto nos levou a um sono que, penso eu, as crianças não gozaram antes. E com a sensação de estar cumprindo o dever de pai deixei-me levar por um sono tranqüilo agradecendo a Deus tamanho privilegio. 

Dia 27 – acordei muito cedo para ouvir os jaós; fui até beira rio, o sol nascente esplendoroso, um ar frio seco gostoso leve impregnado de emanações florais, os João Pinto preguiçosamente se mexendo em seus ninhos. Quieto, com os pulmões cheios daquele ar puro e fresco, fiquei assistindo o sol alaranjado ir se levantando sobre o rio; era realmente um rio Formoso! Alguém se aproxima, era Joãosinho; ficamos ali os dois, silenciosos, na companhia de Curumaré; não se pensava, não se conversava, a visão real daquilo que tanto sonhamos em Petrópolis conduzia nossas mentes a um devaneio tranqüilizante.

Neste dia, fomos todos de trator até o lago do meio cujo sangradouro nesta época está seco; a viagem numa carreta de dois eixos, estradinha de gado, pulava mais que jeep; o lago é grande comprido, em forma de lua crescente; lá ficamos tentando um tucunaré, mas só veio a irritante piranha; na altura do sangradouro o Formoso forma uma belíssima praia donde foram pescadas mais piranhas; na hora da volta, para surpresa nossa, o trator não estava lá; um cavaleiro chegou galopando, e contou que na balsa do Milton, um caminhão que vinha de Gurupi com um trator na carroceria, desequilibrou-se e caiu na água; vieram apressados buscar nosso trator para içar os náufragos; uma avoadeira vinha nos buscar; não tardou e o espocar do motor denunciou o barco; voltamos pelo rio num belo passeio.

Na fazenda, o resto do dia foi de muita tenção; todos apreensivos com o ocorrido e amedrontados com as conseqüências; pelo radio conversaram com Gurupi, foram repreendidos, mas no fim acalmaram-se com a chegada da noticia que o trator já estava em terra firme.

Dia 28 – o trator afogado chegou rebocado e imediatamente começou a ser operado; o caminhão não conseguiu sair e estavam esperando um trator de esteira que vinha de Gurupi.

Aproveitamos a manhã para ir até um sitio onde mora a mãe do Valdete; uma casa de material muito boa e um pomar de limas da Pérsia rosas e amarelas; tinha sido construída pelo Sherlock que lá morou; quando o Loroti foi vendido, ali na divisa tinha 200 alqueires com posseiros, que foram dados ao Sherlock; este deu sumiço nos posseiros, ocupou, formou, construiu e mais tarde vendeu para a Brahma.

Haá! Que delicia! Na varanda, canivete em punho, nos refrescamos com as imensas limas rosas graças ao Sherlock.

A tarde, fomos de carro até o outro lado da fazenda onde tem um rancho beirando o rio Loroti moradia do funcionário Mauricio e família; iríamos dormir lá para pescar de manhã.

Este rio já era meu conhecido na parte de baixo, onde o tucunaré era lixo; foi ele que deu origem ao nome da  fazenda; nasce em suas terras numa região de mata virgem onde moravam os cara-pretas primos e inimigos dos javaés do lugar; quando havia confronto os da mata pintavam o rosto de preto e atacavam os primos ao cair da noite; sei desta estória pois quando num domingo eu e Murilo passeávamos de canoa com um índio e nas beiradas da mata preta chegamos, o índio de nome Curumaré, que virou meu amigo, não quis seguir em frente; foi neste passeio que já escuro a anta assustada pulou do barranco para a água a um metro de nós que ficamos bem molhados; um tremendo susto nosso também; Curumaré remou das sete da manhã as sete da noite e não demonstrou cansaço; a lua crescente clareava palidamente as águas onde ao passarmos os peixes pulavam fora dagua assustados e alguns caíram dentro da canoa; os pirarucus malhavam nagua provocando barulho semelhante a um tiro de 38; as varas de capivaras estiradas gostosamente nas praias nos observavam sem medo.

Um dia, Curumaré, que confiava em mim, contou que um índio roubara uma de suas esposas e fugira com ela; ele negaceou por uma semana até encontrá-los, matou o raptor e trouxe a mulher de volta para casa. Curumaré tinha paixão por carne de pato, saia com a minha 22 e era raro não voltar com pelo menos um abatido à tardinha quando empoleirado na arvore beira rio para dormir. O forte do alimento desses índios era o jaraqui que quando gorgulham na superfície em grupos são flechados, e o pirarucu que é arpoado.

Outra vez avistei da canoa uma imensa onça pintada no alto da barranca que quando nos avistou espreguiçou-se e saiu devagar com a pança quase arrastando no chão por estar cheia do bezerro que matara e comera.Foi dessa vez que quando ia atirar a queima roupa na anta que estava no saleiro a lanterna caiu no barco, apagou, o que a espantou e num pulo para a água atravessou o rio subindo barulhentamente na outra margem. Armada a rede no alto da arvore entre dois galhos, fiquei lá sentado a espera dos bichos chegarem para comer as frutas da mirindiba caídas no chão; um veadinho e uma paca se estrebucharam com os tiros iluminados pela lanterna presa por baixo da cartucheira;  ouvi também se achegarem outros bichos porem fora da visão.

Outra vez oito patos passaram voando baixo e posaram numa curva do rio; saltei para a terra e caminhei sem barulho para alem deles; o Murilo seguiu de barco espantando-os; naquela noite o jantar foi os dois patolas que derrubei.

E os bandos de capivaras que atravessavam o lago? E as centenas de olhos de fogo dos jacarés alumiados pelo facho da lanterna?

Nas lagoas, maguaris, socó bois, megulhões, garças, colereiros avermelhados e não sei mais o que, levantavam vôo a nossa passagem num gritalhar desconexo.

Araras de todas as cores vinham dormir nos babaçus ao redor das casas assim como as curicácas.

Passados uns 20 anos estava eu lá de novo com meus filhos -  a meia dúzia de jaós cantando os satisfizeram, pois não presenciaram o que eu assisti. Valeu. 

Chegamos no Mauricio já a tardinha, apresentação ao rio, uns tucunarés fritos, papo com todos; armamos as redes, Dudu e Joãozinho apagaram, e eu e
Zé tomamos o barco e fomos tentear um peixe; as iscas mal caiam na água e as piranhas atacavam; tenteamos nas praias e nos fundos, nada; saltamos numa praia que parecia uma ilha formada por um vazadouro de uma lagoa; volteamos e no outro lado um remanso escurecido pela sombra  das arvores que tapavam a luz da lua nascendo; de repente uma barulheira danada dentro dagua – São os búfalos selvagens, disse eu. E mais que depressa voltamos para nosso barco; nada agradável, naquela solidão, sermos vitimas dum bufalino raivoso remanescente dos tempos do velho Pilades; na volta, o Zé na proa da canoa, o ar vindo pro meu lado na popa estava impregnado com cheiro de merda; fiquei satisfeito quando me aconcheguei na rede.

Dia 29 – pescamos 44 tucunarés até as 13 horas.

Joãozinho, cançado, dormiu no carro e custou a acordar; Mauricio tinha umas vacas o que nos proporcionou um leite fresquinho que com Nescau nos despertou; jaós cantavam.

Saímos todos num barco só, duas varas com molinetes e linhadas de mão, um remo na popa; lançávamos as iscas de postas de peixe em forma de bandeirinha bem dentro da galhada submersa onde se amoitavam os tucunarés; subimos o rio vagarosamente a distancia da margem de arremesso leve, passamos a divisa e entramos na fazenda Loroti; algumas garças, os desajeitados jacus ciganas, Zé atirou nuns patos posados na água em frente; encontramos um barco com um senhor pescando também; era do Loroti e estava satisfeito com a pescaria; voltamos pela outra margem, conversando fiado, brincando, e de vez em quando um tucunaré no fundo do barco; o Mauricio foi quem pescou mais devido a sua pratica. 

Já no rancho, os peixes foram preparados para a salga, uns fritos, outros levados para a sede. Valeu o passeio. As despedidas costumeiras, tudo arrumado no caravan, partimos. Mauricio ficou com meu escamador.

Na vinda, tínhamos encontrado um jaburu de asa quebrada que não podia voar; agora estava ele no caminho cercado pelos dois lados; aceleramos até chegarmos bem atrás dele que corria desengonçado; emparelhamos e Dudu passou a mão nele; foi uma farra.

Jantamos tucunaré servido com alcaparras. Que vida!

Dia 30 – Domingo

Enquanto o Zé foi levar as duas filhas do Valdete para visitar a avó no sitio do Sherlock e trazer limas, saímos no nosso barco pelo Formoso a cima.

Inventamos uma brincadeira – o dardo da espingarda de caça submarina foi improvisado de fisga; uma das crianças ia com ela, em pé no espelho da proa; nós outros íamos remando bem junto à praia, onde no raso, as arraias de fogo se escondiam cobertas de areias, mas denunciando sua presença pelos olhos a descoberto; quando eram reconhecidas, uma vigorosa fisgada se dava no seu lombo; apavoradas, nadavam para águas mais fundas puchando o barco e se assentando na lama; só saiam quando já sem forças deixavam-se arrastar. Fisgamos algumas entre as quais uma de mais de metro no diâmetro; seus ferrões eram decepados pelo facão. Lá se tem mais medo de arraia que de piranha; só o corrimento de boceta mestruada alivia a dor da ferroada; nós tínhamos spray de xilocaina.

Numa praia comprida, onde os talha-mares tinham seus ninhos e zangadissimos davam vôos rasantes sobre nossas cabeças estrilhando e tentando uma bicada como a dizer que não nos intrometêssemos nos seus domínios, os meninos localizaram rastros de tartarugas e dois ninhos cheios de ovos - foi uma sensação desenterrá-los; alguns deles foram levados para casa.
Na volta, numa praia donde se pescava piranhas que eram deixadas na areia e sumiam, pescamos outras, uma das quais foi iscada com um bruto anzol do Valdete armado na forte linhada da fisga que se prendeu numa arvore flexível.

À tardinha, eu já banhado passeava pelos arredores enquanto eles jogavam futebol com a moçada; sentei-me numa sombra, me estasiando com a revoada das grandes pombas verdadeiras, chupando umas limas, ouvindo os jaós entoarem seu canto mavioso, apreciando o ocaso magnífico, fiquei a matutar – meus filhos estavam realizando algo que poucos podem entender; estava feliz.

Dia31 – Partimos

Um  grande jacaré estava preso no anzol deixado de espera; as crianças foram lá ver, e não tendo conseguido içá-lo voltaram a me chamar; o galho retesado mantinha a linha esticada para dentro do rio; amarramos o cabo no barco e com muita dificuldade fomos remando atravessando o Formoso; depois de muito custo, muita gritaria das crianças chegamos no porto. Içamos o bruto para terra firme, vivo, cansado, com seus 3 metros. Foi uma farra! Uma bala 22 deu fim ao grandalhão que foi içado numa arvore, fotografado, e destrinchado; a carne do rabo chegou até aqui que foi preparado para regalo da vô Luluta.

Na noite anterior realizamos também uma boa farra; íamos com a lanterna focalizando rés ao barranco e vários olhos pequeninos de jacarezinhos ofuscados brilharam com a luz; com rapidez as crianças seguravam-nos pelo pescoço; dois deles foram dormir num tanque da sede. Agora, na partida, Joãozinho foi soltá-los no seu habitat; esperamos que creçam, procriem e devorem piranhas seu prato favorito.

Quando Sherlock matou quatro mil jacarés no lago beirando sua casa, depois que seu filhinho foi morto por um monstrengo, jacaré era praga. Agora é necessário permitir que eles procriem para o equilíbrio de piranhas.

Tudo pronto – barco na carreta, tralhas acomodadas, despedimo-nos daquela boa gente e partimos.

No caminho o trator vinha rebocando o caminhão afogado. Chegamos no Milton, um trator de esteira laminava o outro lado para melhorar a subida o que nos deu tempo para papear, e finalmente, atravessamos o Formoso na balsa, bem diferente quando a 25 anos passados atravessei de jeep no vau. 

Para traz ficou um pedaço deste querido Brasil onde o sonho Curumaré fora realizado nos divertindo a béssa.                  

 28 kilometros, uma hora de viagem, chegamos na Barra Longa onde dois esteiras e um correntão também chegaram; iam limpar terreno para plantio de soja. Mais 40 kilometros percorridos em 70 minutos e Duere; mais 57 kilometros e Gurupi apareceu, também depois de uma hora de viagem.

Fomos para o mesmo Palace Hotel, ocupamos o quarto 3, e depois dum bom banho, da novela do sinhozinho Malta, fomos a pizaria do chinez para uma merecida cerveja gelada e muita piza. Antes passamos no escritório da Brahma para agradecer ao Roberto.

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Dia seguinte, cedinho, deixamos a carreta com o barco no lavador, e seguimos para a cidade Formoso do Araguaia, para conhecermos o gigantesco projeto de irrigação que o Valadão implantou. São duas cooperativas, a Coop. Formoso formada por gente do sul, e a Javaés dos goianos.

Depois das costumeiras apresentações, o presidente duma delas nos cedeu um funcionário que nos mostrou todo o projeto desde a captação de água do rio Formoso atravez de bombas hidráulicas até os canais principais, secundários e os propriamente irrigadores. Vimos arroz e soja bem desenvolvidos, muita marrequinha, bandos de emas, garças e colereiros, o campo de aviação onde estacionam os aviões agrícolas, e maquinas próprias para o terreno.

Bem, mas uma instrutiva novidade, retornamos a Gurupi, o caravan ficou no posto para um merecido banho, e assim termina esta estória verdadeira, pois a volta não vou contar.

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A fazenda Barra Longa, que pertenceu a um Pazanezi hoje é dum grupo  de Santa Catarina se não estou enganado, que tem plantação de maças e fabrica de adubos. São 15 mil hectares onde pretendem plantar soja. São proprietários de outra fazenda com 45 tratores parte deles sendo transferida para lá. Como a propriedade é passagem de boiadas com destino a ilha de Bananal, estão construindo uma estrada cercada de jeito que as reses não danifiquem a lavoura de soja. Vai dar problema.


A fazenda Loroti foi comprada pelo Fernando Sampaio dum filho bastardo do Antonio Prado, um maluco que, se julgava Tom Mix e andava a lá cow boy todo de preto com um 38 na cinta e só ia para a fazenda de avião levando desde arame para cerca até milho para as galinhas, mantinha na sede de chão de terra batida e meia parede, poltronas de couro, bons livros e musica clássica, e importou uma belíssima cachorrada de caçadores de veado que eu conheci alguns originais. Fernando constituiu a Estância Três Corações Limitada com tio Alberto e Bentoca, com mais a fazenda da Sibéria em Ceres onde deveria ser recriada a bezerrada  vinda do Loroti. O Pilades recebeu dez por cento da empresa para ajudá-lo. Fernando comprou um imenso jeep que andava até de baixo dagua, mas que não atendeu a velocidade que pretendia imprimir ao negocio;  pediu um avião sem o qual desacoçoaria e como não foi atendido saiu fora. Pilades e tio Riri compraram tudo, e depois o Pilades ficou dono sozinho. Mais tarde, o Tatá sócio do frigorífico Guapeva, dono de oitenta mil vacas, recebeu a fazenda em troca duma divida de seis mil bois do Eduardo que comprara do Pilades, e, com o Milton na gerencia construiu sede de material com nove quartos, bons currais, aumentou o campo de aviação. Chegaram a cinco mil búfalos que foram depois substituídos por vacas nelores.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Veio Cabiúna

1



Novo Século, novo milênio, velhas idéias, velhos ideais.

Os pensamentos e as idéias se desenvolvem e se transformam independentemente do calendário. Eles seguem uma cronologia que não coincide com a mudança das estações. É uma pena, pois, se assim o fosse, teríamos entrado no novo milênio com novas idéias e novos ideais.E isto não aconteceu!

Ainda vivemos com as velhas regras de tempos passados, quando o mundo era diferente, quando Adam Smith e Marx tinham razão.

Hoje ainda assistimos caudilhos rabugentos, intelectuais de butéco, religiosos ansiosos, empresários oportunistas, políticos demagogos, berrando lutando por velhos intentos sem lugar no mundo de hoje, e, pior, aceitamos com naturalidade, nos deixamos envolver por essas falas obsoletas sem perceber, sem atinar o mal que elas nos fazem!!!

- Poorra!!

Maria ouvia sem dar atenção, seu marido cavaquear sozinho, atôa, e pensava consigo mesma – que adianta, não podemos mudar nada mesmo!
Sim! Maria escutava a voz da razão, do bom senso, mas, não atinava, como, aliais, todos os outros.

João e Maria, bem casados, moram numa fazenda perto de Goiânia, tem dois filhos, Paulo estudando transplante de embriões no Texas, Pedro trabalhando na Austrália vendendo boi goiano para a Ásia; os corpos estão distanciados, mas, os espíritos bem unidos por uma correspondência quase que diária, claro, escrita a mão.


-Como a vida mudou! Continua João - como as regras e conceitos perdem a validade com o desenvolvimento natural da sociedade! Mas, os dogmas Não! Maria, o dogma fundamental para que a sociedade viva em Paz no Amor, Não mudou!

JUSTIÇA

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João em conversa costuma rememorar seu avô, que se ausentava por meses, sem noticias:

-vai vender bem a boiada?
-ainda está vivo?
-voltará?

Foi numa dessas viagens, que João, então com 12 anos, saiu de casa com a tropa, na companhia do avô, e, já na volta, deparou com uma cena que marcou para sempre o rumo de sua vida.

“Na beira da estrada poeirenta, um velho de barba branca, estirado inerte, onde as tripas ainda quentes para fora do bucho, eram pasto de dois guaxinins que nervosamente se banqueteavam com voracidade. Ao lado do velho, um cajado e uma sacola de couro de cutia contendo umas roscas de milho e um caderno ensebado de tanto uso”.

Até hoje João guarda este caderno com carinho como seu maior tesouro. Nele está rabiscada a estória de um homem, que desde então, deu sentida a sua vida.

Vale a pena relembrar parte desta estória.

“Nas terras pedregosas dum vale dum rio, nasceu uma criança que recebeu o nome de Jesusto; era um menino igual aos outros, mas não o era.
Jesusto foi gerado por uma mulher ainda virgem, e por um Ser extraterrestre que conhecemos pelo nome de Deus.

Deus é um E.T. ---- é o Senhor do Reino do Amor.

Ele saiu do seu reino, veio até a terra, gerou Jesusto para que Ele como humano pudesse dar a conhecer aos terráqueos a existência de Seu Reino.

Jesusto sabía que seu Pai era um E.T., sabía também que depois de sua estada aqui na terra voltaria a encontrar o Pai, e sabía que tinha uma missão confiada por Ele.

Esta missão era anunciar aos terráqueos a existência do ``Reino do Amor´´ e ensinar o caminho para alcança-lo .

E Jesusto pregou:

“Bem aventurados os que amam a Justiça”

´´Bem aventurados os nobres de espírito pois deles é o Reino do Amor ``

´´Bem aventurados os misericordiosos pois terão misericórdia``

´´Bem aventurados os que ouvem e seguem a minha Boa-Nova pois, assim conquistarão o Reino do Amor``

´´Já diziam os antigos: amarás teu amigo e odiaras teu inimigo. Eu porem, vos digo: Orai pelos teus inimigos para que conheçam o caminho do Bem; assim terás a recompensa do Pai. ``


´´ Quando orardes, não oreis no templo em voz alta para serdes vistos pelos homens ; entra em teu quarto e fechada a porta, converse direto com Deus que te ouvirá ``

´´Quando deres esmola, não vás tocando a trombeta diante de ti, como fazem os fariseus e hipócritas nas igrejas e nos cultos para serem louvados pelos homens, - quando deres esmola não saiba a mão esquerda o que fez a mão direita - o Pai te recompensará``

´´Na cátedra da justiça, sentam-se os doutores da Lei; - deveis ouvir o que eles disserem, mas não os imiteis pois dizem e não fazem. Atam pesadas cargas e põem-nas nos ombros dos outros, mas eles nem com um dedo querem move-las. Todas suas obras eles o fazem para serem vistas pelo povo - vestem compridas togas, gostam de serem chamados ‘juizes’ pelos homens.``

´´Ai de vós , juizes fariseus hipócritas , que não vos preocupeis com o mais grave da lei:
´´JUSTIÇA``

´´Ai de vós, juizes fariseus hipócritas, que limpais por fora a taça e o prato , mas por dentro de teu coração estão cheios de rapinas e cobiças.``

Ai de vós juizes fariseus hipócritas, que vos assemelheis a sepulcros caiados, - vistosos por fora mas por dentro cheios de vermes e imundices . Assim vós também por fora pareceis justos ao povo, mas por dentro estais cheios de hipocrisias e iniqüidades.

´´Não junteis tesouros somente na terra onde tua estada é curta, junteis também tesouros no teu coração para desfrutá-los na longa vida que te espera no Reino do Amor ``

“Não se preocupeis em primeiro lugar com o que haveis de comer e de vestir aqui nesta vida terrena, se preocupeis em primeiro lugar com o que haveis de viver lá na longa Vida Eterna no Reino do Amor.``

´´Ninguém pode servir a dois senhores, pois odiando um amará o outro, respeitando um menosprezará o outro . Não podeis servir ao Bem e ao Mal ``

´´Não permitais que a raiva e o ódio entre no teu coração mas permitais que o Amor e a Justiça entre no teu coração. Pois só podemos dar o que temos – se temos ódio damos ódio. ``

´´Antes de recriminares teu irmão, procures corrigir em ti mesmo aquilo que ele possa recrimina-lo. ``

´´Pense duas vezes antes de recriminares teu irmão, confirma primeiro se ele está no caminho do Mal; se ele estiver, mostre-lhe o caminho do Bem . ``

´´Quando tiveres um acesso de raiva, Pare! Conte até 10, se controle! Assim passará a raiva, se sentirás melhor e não farás Mal a teu irmão. ``

´´Ninguém pode dar aquilo que não tem. - se não tens Amor não podes dar Amor. ``

´´Guardai-vos dos falsos profetas mundanos que vem a vós com vestes de ovelha, mas, por dentro são lobos ferozes - eles têm por delicias a voluptuosidade de cada dia ; cheios de imundices e torpezas, comprazem-se nos seus excessos enquanto se banqueteiam convosco ; seus olhos estão repletos de adultério, são insaciáveis de pecado, seduzem as almas inconstantes, carregam no coração o Mal. São filhos da maldição! ``

´´Entrai pela porta estreita, pois larga é a porta e espaçoso o caminho que leva a perdição e muitos são os que entram por ela - como é estreita a porta e apertado o caminho que leva ao Reino do Amor, e quão poucos são os que acertam com ele.?!! ``

´´Aquele que pratica o Bem terá a ressurreição para a Vida - aquele que pratica o Mal não terá a ressurreição para a Vida ``

´´Todo aquele que comete pecado é escravo do pecado - todo aquele que comete Amor é escravo do Amor - é melhor ser escravo do Bem que escravo do Mal. ``

Eis o máximo mandamento para encontrar o caminho do Reino do Amor :

Amai teu irmão de sangue como gostarias que ele o amasse.

´´Aquele que crê em mim , não crê em mim, mas naquele que me enviou !! ``

´´Minha doutrina não é humana, mas daquele que me enviou - o Senhor do Reino do Amor ``

´´Eu vim em nome e a mando de meu Pai o Senhor do Reino do Amor .—aquele que me seguir, o Pai o receberá de braços abertos ”

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Assim falou o Jesusto o profeta.

Quem tem ouvidos que ouça!

´´ Vigiai ``


João procurou construir sua vida baseada nos ensinamentos rabiscados no caderno do homem de barba branca falecido na beira da estrada poeirenta.

Aprendeu que:

Como posso amar os outros se não consigo amar meu irmão de sangue?

Deu certo.



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Seus filhos estão á chegar para implantar nova tecnologia e enquanto espera, João divaga resmungadamente para suplicio de sua esposa, dona Maria, sobre o que o Brasil foi, o que é hoje, e o que poderia ser se fosse governado com JUSTIÇA.

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2

O fogo crepitava na churrasqueira assentada por baixo do telheiro coberto graciosamente com folhas de babaçu, no lado esquerdo da piscina rodeada por alargado gramado salpicado de coqueiros anões e cajueiros carregados e, limitado ao longe por fileiras de flamboyans que resplandeciam na sua gloria colorida emoldurando o conjunto da sede campestre da fazenda querida.

Maria aprontava a maionese caseira, dava os últimos retoques na varanda espaçosa alegrada por samambaias choronas e gaiolas onde diversas variedades de periquitos gorjeavam cavaqueando na misteriosa linguagem.

Estava ansiosa, pois os filhos iam chegar!

- João, esta estória de carioca texana, e ainda por cima de bucho cheio, não me agrada.
- Ela não é texana, Maria, ela só estava no Texas como o Paulo; quanto ao bucho cheio, nós não entendemos, mas é a tal da modernidade.
- Seu avô conhecia meu avô, seu pai brincava com meu pai, e eu só embuchei depois que assinamos os papeis no cartório e recebemos as graças na igreja. Quem é esta menina? Carioca? Tenho medo. Prepara-me uma caipiríssima. Estou nervosa.

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Finalmente a camionete chegou.

- Cabiuuuna véeeiiio --- !!! Larga o carneiro na braza e abraça aqui este peito australiano !!! Êta saudades --!! Heeii---!! Trem bom!!!
Uáaauuuu--- !!!

-Mãe !!! Abraça aqui Donana, que carrega no bucho o fruto do nosso amor! Já, teu neto vai mijar no teu colo. Heeii--!! Me dá um beijo mãe ---!!!

Maria não conseguia articular palavras, só soluçava de alegria – que bom, que bom meu Deus, os meninos estão de volta. Oh! Virgem! Obrigado. Pensava com sigo mesmo.

-Dona Maria, estou apertada; viemos sem parar direto de Brasília.

- Venha, Donana, vou te mostrar teus aposentos.

-Pai, o sol do Texas fez bem pro Capeta, ele está ótimo! Só imagino as fuzarcas que aprontou por lá com os gringos.

-E o Pedro estava mergulhando nos arrecifes lá na Barreia de Coral em vez de trabalhar.

-Porra! Era minhas férias – Mãe – a senhora está linda !!! Cada dia mais moça.

-Tudo bem, mas agora que estamos juntos, calção, e todo mundo na piscina!

-Hóó ! Mãe fica do meu lado, conta as modas !!

O sol percorreu seu caminho no céu azul anil e já ia se recolhendo no poente por traz da mata verdejante.

Suco natural de caju, água de coco gelada, carneiro na braza com batatas doces carameladas, maionese de hortelã receita de dona Maria, tudo entremeado com mergulhos na piscina de águas refrescantes, e papo muito papo.

Ao entardecer, jiboiavam tranqüilamente refastelados nas redes cuiabanas armadas na varanda, houvindo a conversa estranha dos periquitos.

Donana estava pasmada. Naquela terra desconhecida dela, reinava o amor, a fartura, a simplicidade, o bem viver de pessoas calejadas no trabalho rude porem construtivo. Pela primeira vez na sua vida, ela estava se dando conta duma Realidade pra ela tão diferente – e, ainda não vira nada.

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Levantaram junto com o sol, e foram correr a fazenda aspirando o ar refrescado pela noite, carregado de perfumes emanados do polmar e dos jasmins.

Vistoriaram tudo - a cabeceira de gado limousin futura produtora de embriões e semem á congelar, a vacada receptora, a bezerrada pura, os mestiços frutos do cruzamento industrial.

Demoraram-se apreciando os quarto-de-milha bem nutridos com pelos escovados até de mais.

-Pai, tem cavalo precisando de serviço.

-Estes mais roliços, são do Sylvio que laça com o Toninho e treinam aqui. Aliais o Sylvio, Pedro, quer conversar com você, gostou da sua idéia.

-Eu só vou lá no frigorífico depois de assentar a bunda; Paulo vamos formar uma dupla?

-Acho ótimo! Será pelo laboratório com Donana torcendo.

Do alto da curralama vislumbravam a pastaria verdejante bem formada de coast-cross ao redor e braquiara ao longe.

-Capeta, precisamos marcar o lugar do laboratório.

-È pra já, espero, em breve treinar uma meia dúzia de veterinários recém formados; não foi a tôa que estudei lá no Texas.

-Baixou a fome, vamos pra casa.

Dona Maria, satisfeita, esperava na varanda com yugurt, mel, broa de milho, manteiga caseira, queijo fresco, muita fruta. Coou um café que perfumou o ambiente despertando ainda mais o apetite daquele povo.

-Mãe, eu costumava tomar café na companhia dos cangurus. Era uma farra.

-Pois aqui terás que se contentar com os periquitos barulhentos; aliais, boa parte deles são lá daqueles lados, e note que são os mais coloridos.

-Mãe, frita uns ovos no bacon, que nem lá no Texas!?

-Donana não pode engordar; e lembra-se que aqui se almoça e bem, é bom irem se acostumando.

Ao entardecer, com o sol alaranjando o poente, Donana as voltas no gramado caçando um caju maduro, se deslumbrava.



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- Que beleza!

- Ce tem razão, este Brasil é abençoado por Deus; sol o ano todo, terra fértil, riqueza de água, e aqui massapé roxo. Lá na Austrália metade do terreno é deserto.

- Lá no Texas tem deserto também; cascalheira braba; e tem nevada que deixa a terra branquinha sem poder cultivar.

- E mesmo assim eles produzem carne melhor que a nossa; não entendo.

- Não entende porque não quer, já falei um montão de vezes; aqui não podemos melhorar porque a carne é tabelada pelo Estado; os estatocratas dizem que a inflação subiria.

-Inflação !! Quem provoca inflação é o Estado que emite moeda sem lastro na produção para cobrir a astronômica despesa da estatocracia!!!

- Porcos nojentos !!!

- Parem com esta conversa. Respeitem Donana!


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3

- Sylvio Resende !!

-Canguruuu !! Que bom te ver! Aperta aqui os ossos! Agora senta.
Quer água ou café? Wisky só à noite. Puxa, aquela Austrália deve ser bom mesmo, você esta ótimo! Mas hoje não voltas pra casa, noite de farra, deixe avisar a madrinha.

-Não precisa, a mãe já esperava isso; ela disse que hoje é dia de você tocar lá no puteiro, está prevenida.

-Puteiro não. Boite fina com o melhor conjunto de Goiânia e o Resende no violão; ce vai ver só; as meninas adoram.

-Ainda estou afiado no sapateado; olha que bota – couro de canguru com um salto que tira um som no ponto certo no tablado; o povo de Charlotte que o diga.

-Pois hoje vais experimentar nosso tablado; vamos mais cedo para treinar; trouxe os discos?

-Tome, são os últimos sucessos do country australiano. Seus cavalos são ageitados; eu e capeta formamos dupla.

-E essa Donana?

-Coisa fina; potranca fogosa, tetas firmes e garupa alta; está prenha; vou ser titio daqui a pouco; não demora a parir.

-O. K. agora vamos as falas sérias – nós entramos no mercado da Ásia – não é um negocio da china, mas dá pro gasto; você desempenhou com sucesso a sua missão; o frigorífico agradasse; agora desembucha esplicadinho sua idéia.

-Sylvio, toda carne que você manda eles moem e fasem hambúrguer – e tem a despesa do frete do osso – vai em banda ; a Austrália remete os cortes já prontos, limpinho, tudo embalado, é um capricho e eles pagam bem mais por isso; um luxo caro – os australianos não vendem osso .

Eu trouxe a papelada toda, que fala da legislação, controle sanitário, normas de importação, cortes especiais, enfim, tudo que é necessários pra você botar a carne lá no jeito deles; tá tudo aqui na mala.
Olha, estudei, pesquisei, trabalhei em cima disto, e digo que é um negocio viável; te dou todo apoio; tome e estude com atenção.

- O que é preciso de instalação no frigorífico? E a carne? Estes bois velhos daqui não dão.

- A carne é responsabilidade nossa, - o Capeta garante que daqui a pouco te abastece dentro dos conformes; é o prazo pra você adaptar o frigorífico sem atropelamento; está tudo na mala; não foi atoa que gastei este tempo todo lá no meio dos cangurus; estou dominando o negocio e o Paulão também; cruzamento industrial limousin.

- Vamos almoçar.

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- Este tucunaré está perfeito. Trem bom!

- É a especialidade da casa, melhor que o tambaqui na telha; te contaram a cagada que teu pai arrumo com o fiscal?

- Não.

- Teu pai é incrível; ele e suas idéias – você sabe que a madrinha adora dançar; um dia desses, levei o Cabiúna e ela pra me verem tocar; ela dançou até suar enquanto o veio ficava só de olho nas meninas.

- No intervalo, estava eu sentado com eles, quando vi chegar o fiscal que pela manhã passara no frigorífico para receber a propina dele .

- Caí na besteira de dizer que o homem estava ali na farra gastando por conta da comição que levaria do laboratório de vocês; que besteira – arrependi.

- O Cabiúna nem titubeou - se o filho da puta quer comichão vai receber agora, disse – levantou-se tirou o cinto largo de couro cru, foi até o homem e cobriu o infeliz de correadas, gritando - ladrão filho da puta !

- O desgraçado correu numa fincada só, uivando que nem cachorro ferido e sumiu.

- E a mãe?

- Madrinha, depois do susto, caiu na gargalhada, e foi dançar comigo.

- Só mesmo o pai.

- È, mas ele tem razão, - aqui no Brasil o Estado se mete até no jeito dagente cagar, e se você não dá propina ele diz que estais limpando a bunda fora dos conformes. – é como seu pai diz – vivemos sob o tacão da estatocracia e foda-se nós.

- Vamos caminhar para peidar, comi muito.

4



As duas mulheres encontravam-se na sala, quando Cabiúna chegou; olhou demoradamente para Donana e disse:

-Levanta e tira a roupa!

-Que é isso seu João?

-Estou mandando - fica pelada!

Donana muito sem jeito, despiu-se. João serio, olhou preocupadamente e disse :

- Veste-se; Dona Maria arruma uma trouxa que vamos agora para o hospital; Donana vai parir, não passa desta noite; o vazio arriou; vamos logo.

- E o Capeta?

- Quando chegar de São Paulo, já é papai.


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5

Escurecera; as emanações deliciosas das milhares de flores desabrochadas no polmar tomaram de assalto a atmosfera do ambiente, levando aqueles que as aspiravam a uma paz reservada aos eleitos.

Paulo nesta noite se extasiava com o pequeno João, depois dum dia de trabalho nas modernas instalações do laboratório donde seria aplicado e disseminado o conhecimento aprendido no Texas.


Donana, aliviada do peso interno, já recuperada do parto, gozava uma tranqüilidade que nunca sentira antes. Estava feliz. O passado! Tão cedo não se lembraria dele.


-Pai, que dificuldade, que burocracia! Lá no Texas não tem nada disso; a associação dos frigoríficos incentiva e financia os produtores; eu mesmo fui facilitado e visitei mais de 30 laboratórios só no Texas; a própria associação fiscaliza e pune as infrações; o governo colabora diminuindo impostos.

- Paulo, a Justiça lá é diferente; o governo não mete o bedelho, não atrapalha, facilita; aqui você não pode peidar sem que o Estado venha cheirar pra cobrar impostos; lá o trem anda, aqui se cria dificuldades para se vender facilidades; lá se vive em democracia, aqui continuamos oprimidos pela estatocracia.


Donana entrou no escritório onde os dois conversavam.

- Donana, a bagunça é arrumada, só que tem papel de mais; meus escritos, do laboratório, da fazenda, assinaturas ---

- È disso que eu quero falar; sou formada em ciências contábeis, e gostaria de assumir a papelada; acredito que poderei trabalhar sem medo de errar.

- A sua colaboração será muita bem vinda; se você não se importa o lugar de ‘guarda livros’ é seu; vamos montar uma sala descente, com tudo que precisares; um canto tranqüilo.

- Òtimo; me esforçarei para não nos arrependermos.

- Quanto papel, santo Deus, vai ser um alivio, olha, toma isto para ler, é escrito meu.

- Capeta cuide do Joãozinho, vou ler na rede.


- E eu vou coar um café.

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Escritos do Cabiúna

´´Novo século, velhas idéias. Ainda hoje tem pessoas que usam o termo ´capitalismo` como se usava no século passado; não percebem que o mundo mudou.

A opressão do capital sobre o trabalho, tão bem apresentado por Marx, não existe mais.

Hoje, o capital flui em segundos pelos quatro cantos do mundo, Só se fixando no trabalho inteligente, independentemente de raça ou pátria.

Hoje, o capital È dependente do trabalho.

O termo ‘Capitalismo’ perdeu o sentido de outrora, e o termo ´Socialismo` só tem sentido como ´Capitalismo de Estado` ou melhor ´Capital Opressor ` .


O Homem nasce e vive para ser livre; se livrar do útero materno, do aleitamento, da dependência dos pais, é o curso natural da vida do homem.

Liberdade! Como o homem sonha com Liberdade! Sua vida não teria sentido sem Liberdade!

Liberdade é poder optar, escolher, - sem intromissão de agente nenhum, muito menos o Estado - o caminho que lhe proporcionará a melhor e maior satisfação na vida enquanto peregrino á busca da realização do seu sonho .

Nada pode tolir a Liberdade!

Como o homem vive em sociedade com outros homens, ele deve estar consciente de seus direitos e deveres, e do direito do seu semelhante – isto é – ele deve e Tem que respeitar o direito e o dever moral: a
--- JUSTIÇA ---

´´ Não existe Liberdade sem JUSTIÇA ``


O homem, pela sua própria natureza livre, É avesso a impostos.

Ao homem livre não deve ser imposto qualquer tributo que venha diminuir sua liberdade de viver na Justiça.

Quando o individuo paga um tributo, este Tem que retornar a ele na forma dum beneficio; se assim não o for, não há Justiça, - o individuo passa a ser servo daquele que impõe o tributo.

A historia está cheia de exemplos – até na bíblia.

Os Cananeus dominados pelos judeus pagavam impostos a estes.

Aos hebreus escravizados pelos babilônios eram impostos tributos.

Os romanos cobravam impostos aos povos subjugados por eles.

E daí por diante até hoje.

Numa Sociedade Liberal, não existe uma classe dominante que se beneficia dos tributos impostos aos indivíduos livres.

Numa Sociedade Liberal, não é imposto ao individuo, um tributo – ele cede conscientemente por livre vontade, pois tem a certeza que está dispondo de parte do fruto do seu trabalho, para beneficio próprio.

Numa Sociedade Liberal se vive na JUSTIÇA.

Numa Sociedade Liberal o povo vive em DEMOCRAÇIA.

Numa Democracia o ´´Poder emana do povo `` que em liberdade organiza um Governo para SERVIR ao povo sob a ótica da Justiça .

O povo, reunido livre e democraticamente, atribui ao governo funções especificas primordialmente nas áreas da segurança interna e externa, saúde, educação básica, e vias para o bom transito do povo e suas mercadorias.

Desta forma, o povo desfruta da tranqüilidade necessária para trabalhar e gerir os fatores de produção, criando a riqueza da Nação, obtendo o bem estar social.

Para que o governo cumpra sua função de servir ao povo, este paga um tributo aprovado e calculado livre e democraticamente.

Numa Democracia - Não È – o Estado que impõe o tributo ao povo, e sim, o povo gerador de riqueza que diz quanto está disposto a pagar para receber de volta em forma de serviço.


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Numa Sociedade Socialista o povo vive na ESTATOCRACIA.

Numa Estatocracia o´´ Poder emana do Estado`` que organiza um governo autoritariamente, de cima para baixo, com o fim primordial de manter o poder estatal e as regalias e benesses da estatocracia ás custas do povo gerador de riqueza.

Numa Estatocracia é imposto tributos ao povo que na condição de servo do Estado, não tem voz ativa no calculo do imposto; - os tributos pagos pelo povo, NÂO retornam ao povo!




LIBERALISMO é DEMOCRACIA

SOCIALISMO é ESTATOCRACIA




LIBERALISMO

´´O poder emana do povo ´´

´´O Estado serve ao povo ´´

´´O povo cede tributo´´

´´O tributo retorna ao povo ´´



SOCIALISMO

´´O poder emana do Estado´´

´´O povo serve ao Estado ´´

´´O Estado impõe imposto´´

´´O imposto sustenta o Estado´´

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‘ O socialismo é a doutrina dos intelectuais que tem a arrogância de acreditar que eles podem planejar melhor a vida dos individuos’

‘O Liberalismo é a doutrina das pessoas que tem a nobre convicção de que cabe ao individuo planejar sua vida com liberdade’

Bakunin, século 19:

“ Assim, sob qualquer angulo, chega-se ao mesmo resultado :

O governo da imensa maioria da população se faz por uma minoria privilegiada.

Esta minoria, dizem os marxistas, compo-se-á de operários.

Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão lógo se tornem governantes do povo, cessarão de ser operários e por-se-ão a observar o estrato proletário de cima do Estado.

Em cima, se garantem com todo tipo de regalias, benésses e ‘direitos’ antes do povo receber as mesmas regalias.

Não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretenções de permanecer no governo.

Quem duvida disso, não conhece a natureza humana.”


Esta verdade, ainda é valida nos tempos atuais.


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Donana terminou de ler os escritos do velho Cabiúna, tomou um café, estirou-se novamente na rede, e, com um semblante serio, ficou a balançar-se com o olhar fixo no nada.

O principio duma idéia germinara.

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6


Chegaram a beira do rio - cavalos suados - e o sol ainda despontava no horizonte espreguissando-se tranqüilamente para melhor empreender mais uma jornada no céu azul.

A nevoa por cima do espelho dagua contava que os tucunarés ainda estavam à espreita, porem, logo que o sol esquentasse a superfície, iriam dormir.

O tempo era curto; montaram na canoa e desceram de bubuia tenteando bem próximo da margem por entre as galhadas submersas; meia légua rio abaixo, e, 4 tucunarés criados estavam no fundo da canoa.

- Já temos garantido o jantar de Dona Maria; chega; não adianta mais, o sol esquentou, voltemos.

9 horas da manhã; Paulo e João limpam os peixes na praia sombreada formada na curva do rio; empinam a canoa que ficará descansando até a próxima farra encostada no jequitibá centenário.
Um pavãozinho se achega na ânsia de destocar comida escondida entre as folhas apodrecidas que formam o tapete nas terras húmidas beira rio.

Chuparam cajus e maracujás, mastigaram uma carne seca bem temperada, se refrescaram nas águas do rio amigo, montaram nos cavalos e tomaram o rumo á direita do sol, a fim de concertar uma cerca rompida.

Atravessavam uma imensa invernada bem formada de braquiara sem uma praga avista.

-Pai, é aqui que devemos montar a piquetada do projeto de rodízio.

-No meu tempo dizia-se ‘Voisin’.

-Sim, foi ele quem primeiro estudou e apresentou as vantagens do rodízio no pasto. Lá no Texas, em terras bem mais fracas que estas, eles, com este sistema, duplicaram a produção; dá certo; aqui nós devemos pelo menos triplicar.

-Você já assuntô sobre o custo da cerca elétrica?

-Já – vamos buscar lá em São Carlos onde fabricam o melhor sistema a um preço bem em conta; precisamos medir tudo para calculo no papel.

-Quantos piquetes dão aqui?

-Não posso saber; você fez o teste do capim?

-Fiz, deu nove cortes na altura de três palmos, de dezembro a maio; o peso por metro quadrado está em casa;

-Ótimo, 20 dias no rodízio e podemos esticar até julho.

-Não entramos em agosto?

-Não, cansa o capim; vamos ter que trazer água do rio, um bebedouro para 4 piquetes.

-Amanhã mesmo voltaremos aqui com o teodolito, medimos tudo, e aí, no escritório, calculamos dentro dos conformes.

-Pai, eu trouxe um GTS de alta precisão.

-O teodolito não falha.

-Nem o GTS.

Concertada a cerca, os dois amigos, após um breve descanso á sombra dum ipê resplandecente de flores amarelas, retornaram cavalgando, reparando o gado que tranqüilamente vagueava pelo verde tapete de apetitosas capineiras, na sina congênita de comer para transformar proteína vegetal em proteína animal, ou melhor, em carne suculenta para regalo dos homens.


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-Dona Maria! Ta aqui teus peixes, limpinhos, no jeito de assar, é só temperar.

-Vou preparar pra você no molho de champignon, e pro Sylvio na manteiga com alcaparras, ele adora.

-Essa amigança com o Sylvio!

-UAÌ, o amamentei, ajudei a cria-lo, ensinei-o tocar violão, dança comigo, é meu terceiro filho!

-Que barulheira é essa! Tem doido aí!

-Eta mau humor. È o Pedro terminando de assentar o tablado; hoje você vai assistir ele sapateando e eu e o Sylvio de dupla no violão; vai tomar uma cachaça pra acalmar.

-Huum! Ce tá tiçada – to vendo que estais fogosa, to certo?

-To mesmo, apesar da idade ainda gosto; alevanta e vem me dá um beijo, anda.

-Huum! Eta beijo bom, vamos pra cama agora?

-Vamos, o tucunaré pode esperar.

A lua redonda, prateada, sorria lá de cima, contemplando a farra daquele grupo de pessoas que cantavam e dançavam lá em baixo transmitindo para ela, alegria cincera e descontraída.

O Canguru e o Toninho sapateavam no tablado ao ritmo da balada cadenciada dos dois violões dedilhados pela dupla improvisada que cantavam com amor, enquanto Cabiúna e o Capeta saltitavam alegremente no coitado do gramado para delicia da Donana .

Terminada a gostosa zoeira, abancaram-se ao redor da mesa acolhedora e gozaram o tucunaré bem assado regado com manteiga caseira fresquíssima derretida e misturada com alcaparras ou champignon, acompanhado dum arroz soltinho e pequenas batatas alouradas no azeite português.

De sobremesa, frutas e mais frutas, queijo com melado, broa de milho.

Uma caminhada no gramado por entre os coqueiros e cajueiros, foi a maneira do grupo de aliviar a pressão dos gases na pança; satisfeitos, despediram-se da lua e se recolheram prum bom sono.

-Sylvio, leia isto, e aí você vai entender minha aversão a estatocrátas. Foi escrito por um padre em 1560. É a mesma coisa hoje.
´´-- e a colônia sem lei, e pior, sendo os tribunais de justiça tão escandalosamente venais, que nem siquer afetam nas suas decisões um simulacro de decência – com dinheiro tudo se compõe;
--são criminosos os colonos que nos enviam, tirados das enxovias e quiçá postos a bordo em ferros e pra cá desterrados. E o séqüito de esfaimados familiares que acompanham o governador, são mais
prejudiciais a Colônia que estes condenados .

--é, na verdade, fora de duvida, que são os funcionários públicos tão venais quão corrompidos, estando relaxado até o ultimo ponto o principio de moralidade.

--o verbo rapio, por aqui, é conjugado em todos os tempos e modos pelas sanguessugas, que, enquanto não se vêm carregados de despojos, ricos, não se julgam úteis ao serviço da Colônia.”


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E, no Brasil de hoje, a figura do digno servidor publico NÃO existe, e sim, somente a do estatocrata este verme desprezível pertencente á poderosa casta maldita cheia de privilégios.

Euclides da Cunha :

“ São renovadas as supérfluas velhacarias de uma sociedade desfibrada, onde a burocracia estatocrática se torna o ideal da vadiagem paga”.

Monteiro Lobato:

“O devorismo orçamentário onde fazer parte do Estado é conquistar o direito da piolhada vitalícia – dormir, apodrecer na sonolência da burocracia que não espera, não deseja, não quer, SUGA apenas.”

Não há Justiça enquanto o estatocrata tiver benesses e regalias ás custas do povo, e direitos que o povo não tem.

7

Chovia, chovia forte, á 12 horas chovia a cântaros durante as quais João e Paulo passaram no campo cuidando do gado.

Cavalos ensopados, arreios ensopados, chegaram ensopados tiritando de frio e fome.

Após a chuveirada quentinha, tomaram uma cachaça reconfortadoura e devoraram um pratarás de angu com carne seca no molho de tomate feito em casa.

Reconfortados, estiraram as carcaças nas redes pra jiboiarem antes do merecido sono na cama.

-Pai, conta à estória desta fazenda pra Donana.

Cabiúna, olhou para Dona Maria, fez uma caricia no neto, ajeito-se na rede:

- Esta fazenda, quem comprou não foi o vô foi o irmão dele Tião.

Desde cedo, os dois trabalhavam juntos com tropa, eram respeitados, tinham credito, juntavam boiadas desde Mato Grosso e, quando formada, levavam para vender em Uberaba.

De volta, pagavam religiosamente os donos das reses tirando a comição deles pré-estabelecida; assim iam vivendo, juntando dinheiro.

Naquele tempo, a capital era Goiás Velho, Goiânia não existia.

O sonho do Tião era ter uma fazenda pra assentar a bunda e largar a tropa; era o contrario do vô que amava aquela vida agitada.

Um dia, os dois estando bebericando á conversar fiado num bar da capital, achegou-se o Alípio Bueno, chefe político poderoso e respeitado, abancou-se na mesa tomou uma cachaça e de chofre lançou uma proposta:

‘ Tenho umas mil cabeças espalhadas na ilha de Bananal vivendo na larga; se vocês conseguirem reunir todas e levar pra Uberaba, eu, Alípio Bueno, arrumo 600 alqueires de mata pros lado de baixo, escriturado dentro dos conformes, papelada limpa, com o aval do interventor, a um preço tão em conta que vale o esforço; é pegar ou largar.’

Tião fechou o negocio na hora.

´´Pra juntar aquele mundão de gado foi um trabalho dos infernos ; gado bagual , índios arredios , mosquitos de enlouquecer Santo .

Mas conseguiram; - juntaram a boiada desde boi caducando até bezerro mamando, e, com muita dificuldade, chegaram em Uberaba.

Alípio era homem de palavra. O vô contava que nunca viu o mano tão contente quanto no dia que partiu para conhecer as terras que são estas.

O vô disse pro Tião não se preocupar com dinheiro, que se faltasse ele garantiria, pois com a tropa ganhava bem; que ele tratasse de derrubar mata, plantar roça, formar pasto, que bezerras ele mandava;

‘Não vende nada, deixa o rebanho aumentar; fêmea que mija pra traz dá lucro; só te peço que não derrubes madeiro de lei’.

Passaram-se os anos, o vô na tropa o Tião na fazenda com muito chão formado e muita vaca no pasto – aí

Aí, mataram o homem.

Baixou uma tristeza danada e o vô jurou vingança; cutucou daqui cutucou dali e, finalmente descobriu o assassino que um mês depois rolou na poeira crivado de chumbo; deixou a tropa com meu pai e veio para cá.

Goiânia nasceu, cresceu, e só com a madeira de lei daqui vendida pra construção da cidade, o vô abriu muito chão.

O resto fui eu, pois , como todos sabem , meu pai não chegou a vir pra cá , morreu muito cedo ; fui criado aqui pelo vô .”


Donana houviu tudo com atenção e passou a respeitar ainda mais aquele velho Cabiúna vô de seu filho; - aquele povo, agora ela parte dele, era verdadeiramente construtor desse Brasil; falou:

´´- Até hoje, não contei quem eu sou, e nem vocês tiveram a indelicadeza de perguntar; Cabiúna, agora que seu neto aqui está, é bom saberem um pouco sobre minha vida.

´´- No sobrado onde meus pais moram, tem uma sala comprida de pouco uso, em cujas paredes sobressaem quadros a óleo de molduras douradas envolvendo telas que mostram meus antepassados, homens sisudos, encasacados, pessoas que representavam o poder político de suas épocas.

Fui criada neste ambiente de respeito e consideração, estudei em bons colégios, curçei a faculdade de ciências contábeis, vivi no meio de homens que trabalhavam para o Estado, e muito disto se orgulhavam.
Namorava um rapaz simpático, filho dum diretor duma companhia estatal; íamos nos unir pelo matrimonio; ele escolhera a carreira política e fora eleito deputado estadual, o mais moço da assembléia, modéstia á parte, graças a influencia da minha família; rapaz ambicioso, competente, tinha um futuro promissor no Estado; considerava eu um bom partido.

Um dia, estava eu, prestando exame prum concurso publico, a meu lado sentava-se uma menina muito bonita com um par de cochas a mostras que atraia os olhares; terminada a prova, fomos lanchar ali perto; conversa vai conversa vem, resumindo –

Ela era, menina de programa, formada em escola de modelo, vivia amigada com um deputado, o mais moço da assembléia, rapaz atencioso que gostava muito dela, mas que na festa de sua posse que terminou numa bruta suruba, ele se abriu:

“- Tereza, não leve nosso relacionamento a serio, pois eu agora deputado, vou me casar; não te quero mal, gosto de ti, espero continuar te encontrando as escondidas, porem te aconselho a concorreres a tudo que for concurso publico – tua profissão tem vida curta, mas se entrares pro Estado estás garantida por toda vida, -

“Ninguém pode te tirar lá do poleiro da gaiola dourada”

- te dou todo apoio, me mantenha informado, pistolão de deputado não falha.

Hoje ela é, como diz o Cabiúna, uma estatocrata, o deputado cumpriu a palavra.

Bem, baixou a decepção, e fui pro Texas encontrar uma amiga; nem vi o resultado da prova; o resto vocês sabem.

Dona Maria, rezo todas as noites agradecendo a Deus estar vivendo na companhia de vocês; o que venho aprendendo , principalmente com Cabiúna , está despertando minha consciência para uma realidade que nunca antes tive a oportunidade de conhecer.

Hoje, me orgulho de meu filho ser filho do Paulo, e chego a ter até medo da Cultura Estatocrática tão prezada lá em casa.”



Aquela noite, na cama, João e Maria não conversaram; estavam felizes – Donana era moça de trato sem ter vergonha de dizer o que pensava.
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8



- Pai olha o veadinho! Que graça, a mãe deve estar por perto.

- Paulo, com os piquetes eles vão se ferrar; precisamos captura-los e leva-los para outro sitio.

- Podíamos cria-los lá no gramado com ração e tudo; irá alegrar a sede e eles viveriam bem.

- Boa idéia.

Depois das medições e dum estudo serio detalhado, a invernada estava marcada por dezenas de estacas que nem uma almofada fincada de agulhas ; esta parte terminara , faltava montar as cercas elétricas e os bebedouros .

Os dois amigos apreciavam satisfeitos o cenário pouco comum fruto dum trabalho criterioso; agora era partir para a segunda etapa .

O dia quente, agradável, as pombas cortando o azul límpido do céu, os casais de araras coloridas matraqueando, as curicacas e os quero-queros saracoteando no tapete da grama verde, levaram aqueles dois trabalhadores sentados á sombra do ipê á reflexões desconexas.

- Pai, o canguru está com uma tropa de meninas que faz gosto; tudo por causa do sapateado.

- O que dá gosto é ver um trabalho bem-feito terminado; criamos alguma coisa, fomos úteis; veja.

- Gozado, a loura sapateia melhor que a morena, é um tesão, mas quando as duas ficam peladas, a morena agrada muito mais; agente beija a bunda dela, mordisca suas cochas, e ela goza grunhindo que nem bagre fora dagua; a loura não.

- Só queria ouvir o que o vô diria vendo a invernada toda dividida.

- Não é só o sapateado que elas curtem, aquela baixinha fica louca me vendo laçar; tracei ela na capineira.

- Quando nós formos a São Carlos vou visitar a criação de canchim; não vejo o Josias faz tempo.

- Olha lá o veadinho e a mãe, estão indo pro saleiro.

- Hoje Dona Maria vai levar ferro; é veia, mas é gostosa; essas meninas de hoje malham de dia e dançam de noite – músculo puro, parece que agente ta comendo um macho – Porra !

- O Sylvio quer que nós criemos javalis pra mandar pros chineses.

- Tive medo quando pela primeira vez afoguei o ganso numa quenga; foi lá no Mato Grosso num arraial onde o vô era bem quisto na zona; ele ria de dá gosto quando a mulherzinha contou na mesa a minha experiência; fiquei encabulado; também eu tinha só 13 anos!

- Você viu o filhote de jaguatirica que o Toninho está criando? È uma farra; ontem roeu o pelego.

- Vamos esticar uma tela envolvendo o gramado para os veados não escapulirem.

- Huumm! A baixinha geme bonito quando agente leva o ferro nela!

- E aí, podemos soltar uns gansos e galinholas; vai alegrar.

- Neste caso tem que telar a piscina; num dá pra nadar na bosta de ganso!

- Pai, posso levar a baixinha pro quarto?

- Não! Respeite Donana, safado!

- O Toninho uma vez estava comendo uma velha e ela começou a peidar ; ele deu uns bofetes nela e casco fora .

- Mijadô de veia é igual a mijadô de moça – quentinho, mais peidar é dose! Porra!

- Estou querendo ir a São Carlos esta semana.

- O vô dizia que mula peidorreira era firme de andadura mas não prestava no barranco .

- Pai , essa estória de mula barranqueira é verdade ?

- Naquele tempo, menina tinha buceta fechada; trepar só no puteiro que era longe; toda fazenda tinha suas mulas treinadas no barranco; era o alivio da peonada; vida dura; vamos embora que eu estou cançado de descansar.

- Pêra aí; houve esta; um dia eu estava com dois gringos viajando lá pelo Texas, e deparei com uma paisagem parecida com esta, um terreno com dezenas de estacas fincadas assimetricamente; eram torres de petróleo; paramos e bati uma foto que mandei pra você; o que eu não contei foi o embaraço que me meti; cai na besteira de perguntar quanto de petróleo o Estado retirava daquele terreno; eles não entenderam – que Estado? - Ora Porra, a companhia estatal que explora petróleo; pode ser que aqui chamasse Petroamerica. Os dois não entenderam nada, me olhavam estupefados, perplexos; aí eu expliquei que no Brasil o petróleo é explorado por uma única companhia cujo nome é Petrobrás, propriedade do Estado.

Confuso, um deles falou:

- Paul, você está vendo aquela torre lá à esquerda com uma camionete amarela parada ao lado? È minha; é ela quem paga meu estudo; as outras ao lado são da minha família; aquelas a direita são dos Brodson´, as outras eu não sei.- Que estória é essa de Petroamerica!? Não entendo.

Tentei me safar dizendo que tudo que está debaixo da terra, petróleo, ouro, qualquer coisa, pertence ao Estado. Aí complicou mais ainda; eles me olhavam atônitos pelos disparates que eu dizia; não entendiam nada; trocamos de assunto;

Mais adiante, quando paramos pra tomar uma coca-cola numa lanchonete beira estrada, um deles falou:

- Paul, o sol brabo daqui do Texas te perturbou; você está falando coisas sem sentido; é melhor procurares um medico.

- Olha Pai, ele falou serio, preocupado, não estava brincando.


Mãe e filho, depois de lamberem sal no cocho pastavam caminhando graciosamente sem ligar para aqueles dois homens sentados á sombra do ipê resplandecente de flores amarelas; o sol já ia alto, no zênite, esquentando o ar, o que levou aquelas quatro almas a procurarem água.


Já em casa, Cabiúna chamou Paulo:

- Olha aqui, palavras dum almirante pronunciadas numa palestra dum curso ministrado pela Escola Superior de Guerra, leia e mostre pra Donana .

“ --- a busca de petróleo na Amazônia foi interrompida depois que a nossa brava Petrobrás perfurou 316 poços exploratórios em 5 anos ; vale lembrar que a iniciativa privada dos Estados Unidos perfura 16000 (dezeseis mil) poços por ano ---

---adianto porem, que somos CONTRARIOS á idéia de empresas PRIVADAS nacionais ou estrangeiras explorarem petróleo no sub-solo pátrio --- ”

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9


O sol acordou e foi dormir muitas vezes antes do dia da prova final que encerrou o campeonato goiano de laço em dupla.

Muita coisa aconteceu.

Joãozinho alegrou a casa quando saiu da cadeira da vó e foi andando até Donana no outro lado da sala.

Donana mantinha dentro dos conformes a papelada da fazenda, e também a do laboratório que produzia de vento em popa dicemi-
nando uma nova tecnologia tão necessária ao melhoramento da pecuária da região .

João e Paulo foram a São Carlos, visitaram a fazenda de criação de canchin, gado já adaptado ao Brasil por mais de 30 anos, uma criação de javali , adquiriram a aparelhagem da cerca elétrica , e a tela plastificada na cor verde própria para jardim com a qual cercaram a piscina .

Pedro dedicava 15 horas por dia ao frigorífico, pois Sylvio estava resolvido a terminar logo as instalações necessárias para poder exportar cortes especiais e não a banda como de costume.

Os piquetes ficaram prontos dando inicio ao rodízio de pasto no sistema Voisin o que aumentou e muito o rendimento por hectare.

O gramado da sede agora telado era pasto do casal de veadinhos campeiros, gansos e galinholas e um pavão que não gostava do Joãozinho; o maracujá soltava a primeira floração.

A prova final do laço foi em Mozarlandia, festança animada, concorrida, com somente 20 duplas disputando o cobiçado troféu do campeonato goiano.

A dupla do frigorífico e a do laboratório não concorreram, mas Sylvio alegrou a moçada com seu violão; Pedro e Toninho sapatearam bonito no tablado com o grupo de dança.

Dona Maria e Donana se divertiram para valer, dançando, passeando por entre as barracas, assistindo as provas onde belíssimos quarto de milhas bem aparelhados montados por elegantes peões aprumados satisfeitos por estarem no final após um ano de disputas em diversas pistas espalhadas por esse Goiás .

Agora, em casa, um domingo ensolarado, enquanto o braseiro grelhava uma picanha revestida duma gordura amarelinha, Dona Maria sarandilhava na afazema gostosa de preparar as guloseimas, Donana se esmerava num manjar branco receita de sua casa dos tempos das bisavós, e os homens se refrescavam na piscina tagarelando despreocupadamente brincando com Joãozinho bebericando sucos de frutas naturais.

Reinava a Paz

- Olha, Capeta, quem levou o troféu fez o tempo de 7 segundos e meio, e nós aqui estamos com a media de 7; quantas vezes conseguimos 5 segundos? Se tivéssemos competido teríamos tido muita chance de trazer o troféu e o premio.

- Pra mim não dá, não tenho tempo, você tem tempo Sylvio?

- Eu não, me contento de laçar por distração; já basta o violão; agora, se você quer competir, Toninho, não se avexe arruma um companheiro que o frigorífico garante.

- E continue treinando aqui conosco; tem cavalo pra mais um.

- Vou pensar obrigado; o premio é tentador, porem as estradas são tão ruins que a camionete sofrerá tanto que tenho que fazer as contas pra ver se compensa.

- Toninho, você precisa ver as estradas lá no Texas – ce vai a qualquer currutela num lisinho que dá gosto; e se você quiser tem trem pra qualquer canto; pro norte pro sul pra qualquer lado você percorre os Estados Unidos de trem! Conforto.

- Enquanto isto, aqui no Brasil há 50 anos estatisaram as ferrovias, destruíram tudo; os funcionários graduados roubaram que nem Ali-Bábá e os outros se aposentaram com menos de 50 anos de idade e só 20 no batente – salário integral.

- E quem pagou a conta fomos nós – o povo.

- Quando começaram a reprivatizar só tinha sucata, a iniciativa privada terá tudo por reconstruir.

-Pro povo foi bom, agora não temos mais que arcar com a despesa astronômica de quando estatal –um milhão de dólares por dia.

-Estão dizendo que logo vamos mandar nossa soja para o porto de Itaqui no Maranhão pela ferrovia que virá de Imperatriz até aqui; vai baratear o frete uma barbaridade.

-Si o Estado não atucanar.

-Maldita Estatocracia! Vermes nojentos!

-Parem de resmungar! Venham para a varanda, pois a picanha está no ponto e eu já fritei a mandioca; que povo resmungador ! Parece um bando de maitacas!

- Isto é uma ordem; me dá um beijo mãe.

- Dona Maria tem razão, hoje é o dia do Senhor, o sol está radioso, o céu azul e o ar fresco – não se resmunga!

- Donana senta aqui do meu lado pra eu alisar suas cochas.

- Conta causo lá da Austrália, Canguru.

- È pra já - Uma vez, era um domingo igual a este, eu pescara 30 peixes de três palmos cada, e dormitava na areia quentinha beira rio, quando acordei com um bafo catingudo no meu rosto; abri os olhos e vi a dois palmos da minha cabeça, uma bocarra escancarada dum crocodilo duns 12 metros; o sangue enregelou, mas tive tino de pensar – se o monstrengo não me comeu é porque ele está precisando de mim;

- Olhei pra dentro de sua goela e vi um baita espinho fincado; falei mansinho com ele, saquei da faca e fui metendo o braço na bocarra até chegar no espinho; sempre de mansinho retirei o espinho com todo cuidado; tirei do bolso um limão;

- Cortei um naco e, sempre de mansinho, enfiei de novo a mão na bocarra e desinfetei;

- Sempre de mansinho, fui me levantando e fiz uma caricia no focinho dele; o bruto fechou a boca olhou pra mim com olhar agradecido e piscou.

- Aí eu entendi; montei na sua garupa e o bichão começou a andar pros lado do rio.

-Vocês podem não acreditar, mas é verdade – passeamos pelo rio, pra cima pra baixo, por mais de duas horas; até mergulhamos fundo; só então o companheiro me trouxe de volta, e com um olhar carinhoso deu um grunhido e foi embora. ``

- Madrinha, se hoje não fosse o dia do Senhor eu dava uns pescoções no Canguru.

Donana que segurava o Joãozinho no colo e ouvira tudo atenta, derrepente, caiu na gargalhada com tanta vontade que se mijou.

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10


Eram 6 horas da tarde; Donana passeava no gramado com Joãozinho brincando com os veadinhos, correndo com os gansos, quando, precisamente às 6 horas e 10 minutos, esticava o braço para colher um caju vermelho, tomou um

---SUSTO---

Uma gigantesca lua alaranjada rompia no horizonte como que nascendo da terra única e exclusivamente para conversar com ela ;

Tomando seu filho no colo, estática, por mais de 10 minutos permaneceu com os olhos fixos naquele esplendor divino; a vista doeu, sacudiu a cabeça, e virou-se em 180 graus;

O sol, vermelho de raiva, cheio de inveja, se escondia por traz das arvores, vexado, e, num ultimo esforço mostrava que também era belo, e, sangrando, coloria o céu azul profundo com os mais belas matizes elaboradas na sua paleta.

Que Espetáculo !! Era a presença de Deus !!

Sentiu-se parte daquela cena, cativa daquela terra, atraída por uma poderosa força superior, e percebeu que estava prisioneira duma Realidade da qual não mais podia escapar – abraçava nervosamente o filho que acariciava suas faces umedecidas de lagrimas de alegria.

Sim, sua vida mudara e mudara para muito melhor; - saindo do transe, caminhando lentamente naquele chão macio, matutava – o passado? Não o esqueceria, mas agora o encararia sob uma ótica bem diferente; uma coisa tornou-se certa, seu filho teria sua vida regida por esta Realidade que ela só veio a conhecer tarde, pelo menos enquanto ele dependesse dela ; pensaria como o Cabiúna .

Um copo de água de coco gelada, já tranqüila, foi para o escritório e escreveu:

´´ Quando o May Flower aportou nas costas americanas trazia no seu bojo os princípios da ´´Cultura Liberal ``que prevalece até hoje nos USA - isto é – a primeira constituição americana , redigida ainda a bordo pelos Pylgrins Fathers - o Convenant –

Os Pylgrins pertenciam a seita inglesa - Puritanos – doutrina religiosa austera nos seus princípios, impregnadas de teorias democráticas, liberais e republicanas.

Os Pylgrins eram da classe media, sem a idéia de superioridade duns sobre outros, sem grandes senhores.

Chegados a América, fundaram na Nova-Inglaterra uma comunidade baseada na liberdade e independência política e, exerceram continuamente os direitos de cidadania estabelecendo leis e regulamentos votados democraticamente pelos próprios indivíduos, e não imposto autoritariamente.

Nos anos seiscentos a comunidade estava bem constituída em torno da individualidade liberal, onde os cidadãos debatiam na praça publica em assembléias, os assuntos á respeito do interesse de todos – como a livre votação dos impostos, as responsabilidades dos agentes do governo, a participação do povo nos negócios públicos.

Para desbravar a terra, contavam unicamente com o esforço e o trabalho familiar, o que gerou o ideal do respeito à propriedade particular inalienável.

È importante notar, que aqueles pioneiros não estavam lá com o fito de enriquecer e retornar a Inglaterra, e sim, fixar raízes, construir um lar, criar uma nova pátria, gerar riqueza duradoura necessária ao bem estar das gerações futuras.

Os rígidos princípios da religião puritana, que pregava que a riqueza fruto do trabalho do individuo livre era uma dádiva divina, uma abençoada recompensa de Deus – não se chocavam com o

ESPIRITO de LIBERDADE

E sim, complementavam-no.

A Liberdade era a companheira da religião nas lutas, triunfos, sonhos, realizações, criações, construções, desde que se respeitasse o princípio da

JUSTIÇA

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Quando as caravelas aportaram na costa do Brasil, trazendo os primeiros aventureiros á colonizar as terras de propriedade da Coroa Portuguesa, trazia no seu bojo os princípios da

´´CULTURA ESTATOCRATICA``

que prevalece até hoje no Brasil .

Em 1534, D. João III, iniciou a doação de Capitanias Hereditárias para súditos endinheirados, contando duma gigantesca área de terra entre paralelos até o meridiano de Tordesilhas.

O donatário tinha todas suas funções pré-estabelecidas pelo poder régio – já estavam regulados os tributos os direitos de renda da Coroa, as obrigações coma defesa e a exploração, as leis ---

O donatário, na sua capitania tinha poder absoluto sobre tudo sobre todos que deveriam se sujeitar a esse poder.

Com esse sistema, implantou-se a idéia da superioridade dos nobres e poderosos senhores sobre os colonos e gentios.

Os colonos desbravadores que aqui chegavam vinham com a idéia fixa pré-determinada de enricar a qualquer preço para retornar a terra natal onde gozariam o fruto do árduo trabalho em terras longínquas – o lar È em Portugal .

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´´Abaixo do equador não tem pecado ``

Homens rudes, fortes, ambiciosos, desprovidos de mulheres, - como poderiam resistir a tentação das graciosas morenas de longos cabelos negros, completamente nuas a dançar nas areias brancas quentes e macias das praias banhadas pelas refrescantes águas azuis dum mar ondulante?

NÃO! A moral embutida no livro sagrado, pregada dum púlpito escuro por um sisudo padre católico numa austera e fria igreja de pedras, NÃO tem vez, nada significa, é ridícula, é esquecida, aqui na exuberante, gloriosa, estonteanteadamente clara e quente terra selvagem, exaladora de perfumes eróticos e odores líbidicos.

Aqui, liberdade era companheira da devassidão da amoralidade na luta pelo sobreviver.

Por estarem impedidos de usufruírem a liberdade cívica e política, se desforravam se entregando a libertinagem ética e moral.

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-Cabiúna, porque não laças conosco?

-Porque? Vou tentar explicar.

- ´´Sylvio, os tempos mudaram e os hábitos também; sou do tempo antigo, aquele tempo que a palavra tinha mais valor que a assinatura; eu tinha meus hábitos – por exemplo – numa venda ou numa zona qualquer eu pagava antes de consumir, assim não era roubado, não devia, não arrumava confusão – o que você perguntou? – lembrei –

- Cavalo pra mim tem um sentido diferente que tem pra você; você monta por diversão, Toninho por dinheiro, eu monto como visto a calça; antes de nascer eu já cavalgava no culhão do meu pai; tenho um relacionamento com cavalo que compreendo que você não perceba; ele é parte de mim, não tem segredo, não há mistério entre nós dois ; eu e ele somos um só; me sinto muito melhor muito mais confortável no lombo dum cavalo; andar a pé pra mim é mais cansativo que cavalgar.

- Laçar com vocês? Nunca pensei nisso, mas não custa pensar.

Sylvio então entendeu o veio Cabiúna – quantas viagens não fez aquele homem tocando boiada, comendo poeira, dormindo ao relento tendo por teto o céu estrelado? Diversão? Só nas zonas das currutelas pobretonas onde a peonada cançada tomava cachaça, ouvia musica, se divertia e aliviava o peso do saco numa quenga faceira.

Ele, Sylvio, fora criado em Goiânia ruas asfaltadas iluminadas com luz de néon, cinemas com ar refrigerado, boates bem arrumadas onde as meninas bem vestidas dançavam alegremente e depois se entregavam peladas pra ele; escolas de bom ensino, restaurantes, piscinas de águas azuladas ---

Era bem diferente – Cabiúna tinha razão – os tempos mudaram e os hábitos também, - mudaram para melhor graças ao indômito trabalho penoso daqueles homens criadores de riqueza.

Cavalo pra eles é diferente!

Donana que houvira tudo, procurou Cabiúna, e em conversa acertaram escrever coisas juntos partilhando as idéias – e assim ---...

´´ Na região selvagem e inóspita ao sul do Texas - nuances strip – terra de ninguém , os vaqueiros texanos das cercanias de Victoria costumavam invernar seu gado , e deparavam invariavelmente com os vaqueiros mexicanos que , atravessando o rio Grande também invernavam lá – o conflito era inevitável –

O governo do Texas para dar segurança ao cow-boy americano, criou uma organização que se tornou um dos símbolos mais prezados da vida texana;

Não era uma força militar com deveres específicos, não era uma força policial, não estava sujeita ao controle das autoridades dos condados;

E assim nasceu a famosa unidade dos Rangers sem deveres fixos – apenas vagear pelo território e manter a ordem.

Os vaqueiros texanos podiam contar com os Rangers para a sua segurança.

Os Rangers estavam lá Não para cobrar impostos e Sim para garantir a Liberdade dos cow-boys e rancheiros texanos.

Nas verdejantes pastagens naturais do vale do rio Araguaia, homens destemidos, vaqueiros heróicos e pioneiros, acostumados ao calor inclemente e a vida selvagem, costumavam invernar gado na estação seca, e, ás primeiras chuvas de setembro se preparavam para a longa viagem tangendo o gado pros lados do sul, destino da carne criada com dificuldade, sob ataques de índios arredios e mosquitos maleiteiros.

A perigosa, cansativa, e solitária marcha finalmente alcançava as margens do rio Paranaíba num ponto onde a travessia do caudaloso rio era possível.

Na margem do lado de lá, encontravam uma intendência e uma força policial – NÃO- para garantir a segurança dos heróicos tropeiros, e SIM para cobrar - IMPOSTOS -

Aqueles intrépidos homens trabalhadores geradores de riqueza, depois de longos meses na solidão, desprovidos de qualquer segurança contra índios e bandoleiros, passavam pelo vexame de serem espoliados pelas forças do Estado.

Só depois de serem surrupiados de parte do fruto do seu árduo trabalho podiam seguir viagem.

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Dona Maria estava feliz; os meninos em casa eram alegria, faziam companhia – Pedro firme no frigorífico, Paulo no laboratório, Donana na contabilidade, - e o capetinha espalhando felicidade.

Cabiúna, cada vez mais chegado a Donana, discutia longamente com ela suas idéias malucas, o que levava Maria a um descanso por não ter que ouvir suas crendices; após as conversas saia os escritos.

Eis mais um:

“ Um dia um berro ecoou nas serras Nevadas , subiu até as nuvens carregadas que refletiram o som nas Rochosas , partindo do pulmão dum velho escocês de pele enrugada pelas intempéries , cabelos vermelhos barafundados pela umidade e poeira , barbas longas sebosas de graxa de caça , mãos que mais pareciam garras tão danificadas pela pá e picareta ---

OOUUURO !!!

Este berro foi houvido pelas longínquas comunidades a leste, e, imediatamente milhares de homens brancos se debandaram pros lados onde o sol se põe, a pé, a cavalo, de carroça, solitários ou em caravanas, sofrendo as maiores dificuldades á busca do sonho da riqueza que seria gerada pelas suas próprias mãos livres e trabalhadoras.

Esta imigração espontânea abriu caminhos que cortaram os USA de leste para oeste, criou arraiais e postos de abastecimentos, e gerou conflitos.

Para abrandar os conflitos e dar segurança áqueles pioneiros que eram assaltados por bandoleiros e índios bravios, foi remanejada força da União que para lá deslocou tropas, montou fortificações, -Não para cobrar impostos e Sim para dar segurança necessária ao bom êxito de tão importante obra da iniciativa privada -``

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“ Um dia um berro ecoou nas serras do Itacolomy partindo do peito dum homem rijo, forte, destemido, heróico, dum bandeirante de pele morena queimada de sol, cabelos negros compridos emsebados de graxa de caça, barba escura emaranhada no suor e na poeira, mãos imensas e grossas que mais pareciam couro de tanto labutar na bateia.

OOUUURO !!!

Este berro foi houvido pelos conterrâneos no leste e logo caravanas percorriam o caminho aberto pelos desbravadores em busca da riqueza que jazia no fundo dos rios, e que seriam retiradas por mãos negras escravas na maioria das vezes.

Imediatamente a Coroa cuidou de criar uma repartição com um superintendente e uma tropa de soldados sob a chefia dum capitão-mor, ambas com a obrigação de defender os interesses do Estado, e realizar a espoliação sobre o fruto do trabalho dos geradores de riqueza.

O policiamento das minas se deu NÂO para dar segurança aos heróicos trabalhadores, e sim para garantir o pagamento do Quinto a Coroa, para sustentar a Estatocracia cancerosa.”

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O ano agro-pastoril è regido pela natureza magnânima, esta força que não pensa, não raciocina, simplesmente – È.


Compreende dois períodos distintos, cada um com suas características próprias – um não é melhor que o outro – são diferentes nas suas vantagens e desvantagens -

- estação seca, e, estação chuvosa -

O homem que trabalha no campo, se curva, obedece aos ditames da natureza inflexível e organiza sua vida a partir desses ditames.

Ele tem que conhecer bem as particularidades desses períodos e se adaptar a eles.

Para tal, deve observar a inclinação do sol e as fases da lua, calcular constantemente a temperatura e a luminosidade do ambiente, medir a umidade do ar e da terra, ficar atento a constante variação da duração do dia e da noite, entre outras muitas variáveis impostas por esta força superior sobre a qual não tem controle.

O homem do campo é sincronizado com a natureza, ao contrario do homem da cidade que, faça sol ou chuva, está encavernado na fabrica ou no escritório.

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Na estação seca, as estradas são transitáveis embora a poeira dificulte a clara visão e danifique os automóveis e por vezes o pulmão.

As queimadas espontâneas ou provocadas, quando não controláveis, podem destruir num piscar de olhos pastagens penosamente formadas e matas ciliares protetoras dos mananciais.

O ar quente e seco se torna agradavel, levando o homem a um estado de bem estar físico e espiritual, quando se veste com roupas leves, botinas ligeiras e na cabeça lhe basta um chapéu de boa palha trançada que repila os raios do sol fulgurante, mas permita o frescor arejante.

É o período do amanho da terra – o trator ronca feliz, imponente, e o homem garboso o conduz na faina heróica de revolver o solo, arando, gradeando, corrigindo, adubando, semeando, provocando um rastro de poeira que avisa ao passante que ali se trabalha no nobre oficio de produzir alimentos para outros cidadãos.

O sol se esconde, a noite chega, o ar torna-se dum agradável frescor, e o homem banhado, saciada a fome, se estira na rede, se desliga e sonha tranqüilamente sem o incomodo dos insetos voadores ; a perereca coacha , um grilo trila e o jaó solta seu ultimo chamado a infiel companheira – adormece .

É a época quando as aves alegremente nidificam, copulam, põem, chocam, e no final da estação cantam prazerosamente gozando os filhotes emplumados.

E as águas dos córregos e dos rios encolhem na calha, e as lagoas mais parecem poças envoltas num halo de lama; a terra exaurida de
umidade sufoca as rasas raízes das pastagens rasteiras que do verde desbotam pro amarelo.

E o sol na sua viagem pro norte, zênita em Câncer e retorna; quando alcança novamente o equador troveja em Goiás.

--- Começa a estação chuvosa ---

È setembro; - um raio grosso fulgurante traça no horizonte um risco brilhante e um trovejo eclode das escuras nuvens e rebombeia nas paragens ressequidas provocando lá em baixo do solo um frenesi ansiado.

-- Cai a chuva --

E aí, bilhões de insetos alados percorrem os túneis escavados na terra seca de suas moradas para cima para a liberdade e se espalham pelo chão e no ar para regalo das perdizes, codornas, quero-queros, vira-bostas, galinholas e caipiras que se banqueteiam sem descanso dia e noite com esta dádiva da natureza.

Chove – a poeira assenta, a água empoça nos buracos carcomendo-os avolumando-os; as estradas tornam-se lamacentas escorregadias, os automóveis derrapam e se lambuzam de lama.

O ar quente e humido se torna pesado, levando o homem a calçar botas impermeáveis, a vestir grossos capotes, e na cabeça um chapelão de couro que o resguarde da chuva.

È o período que o homem atenta as ervas daninhas que proliferam disputando vorazmente o alimento reservado as lavouras e as pastagens .

Num interregno da chuva, o trator rosna raivoso aplicando herbicidas, inseticidas, lutando contra aqueles que se dispõem a disputar o terreno com os vegetais por ele plantado com amor.

E quando o sol cançado de provocar tanta chuva se recolhe no poente, o homem em seu abrigo, aliviado das botas enlameadas, do capote encharcado, do pesado chapéu, se abanca na varanda e se deixa estaziar com o grandioso magnífico ocaso de nuvens alaranjadas contrastando com o céu sanguinolento cortado por raios dourados.

Escurece; os insetos alados atentam; o homem se recolhe na sala telada, sacia a fome, rabisca o papel, se estira na rede e adormece embalado pela sinfonia da orquestra de sapos, rãs, pererecas, corujas, curiangos, bacuraus, caburés e outros mortais que se banqueteiam na noite escura.

O reino vegetal revigorado, bem alimentado, saciado, resplandece em toda sua pujança explodindo em flores e frutos multicoloridos que exalam perfumes deleitosos acalmando os homens que os respiram.

As pastagens enverdecem repletas de proteínas que alimentam e engordam o gado para regalo do homem.

Os córregos e rios se enchem dágua transbordam e alimentam as lagoas para a felicidade das aves aquáticas que nadam, pescam, brincam.

--- A terra está prenha dágua ---

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- João, o barulho da água correndo no telhado está me excitando – vamos pra cama?

- Vamos, querida – Donana, hoje é por sua conta, rabisca o papel e me mostra amanhã .

- Donana já estava rabiscando –

Em 1824, a nova constituição mexicana deu certa autonomia aos estados, e o Tejas permitiu e incentivou a imigração de colonos americanos desde que se tornassem católicos.

Os pioneiros recebiam terreno de graça do governo mexicano – milhares de´poor whites`americanos imigraram legalmente para o Tejas, com a roupa do corpo, um carrinho de mão com seus trens, espingarda a tiracolo.

Em 1836, oprimidos pelo general Sant Ana quando na presidência do México, fazem uma revolução e criam a Republica do Texas com o general Houston na presidência, e só em 1846 é aceita nos USA como mais um estado americano.

O Texas se tornou o bastião da livre iniciativa, pois foi desbravado por homens brancos e livres que trabalhavam até a exaustão, defendendo com o Colt sua propriedade, lutando veementemente contra todo e qualquer imposto não aprovado primeiramente pelos texanos.

Para o texano a propriedade particular é sagrada.

Invadir uma propriedade no Texas é cometer suicídio, pois é reconhecido que qualquer texano tem o direito de atirar no invasor.

Entre todos os grupos que constituíram os USA nenhum supera o texano na devoção a liberdade.

Com o Texas os USA reforçaram e muito a cultura liberal- democrática que prevalece até hoje.

Conquistado com coragem sangrenta, dominado pela obstinação e mantido graças a proteção a liberdade, os homens amavam o Texas de maneira muito diferente que no sul e no norte.

O Texas possui personalidade própria. ``

- Donana estava com a coceira do lápis, não parou:

“Em 1822 o Brasil tornou-se independente após 300 anos de espoliação efetuada pelo poder régio português através duma estatocracia reinol, antidemocrática, antiliberal, injusta.

Reconhecido como Nação Soberana o Brasil torna-se dos brasileiros, mas continua dominado pela cultura maligna, passando duma estatocracia reinol para uma estatocracia tropical.

O açúcar perde a dominância, o ouro mingua, e o café assume o novo ciclo de riqueza que prevalece por todo o império e entra na republica.

O café desbrava terras, constrói cidades, leva o progresso ao interior, mas infelizmente, não modifica a cultura cívica e política do brasileiro.

A riqueza benigna gerada pelo café foi criada por mãos negras escavas e não por mãos brancas e livres, foi gerada em grandes propriedades de senhores feudais poderosos que formavam na corte parte da estatocracia que dominava o poder.

Por volta de 1850 um homem de idéias liberais tenta reverter este quadro implantando o gérmen da idéia dum Brasil desenvolvido a partir de empresas livres – uma inteligente alternativa para o escravismo enraizado.

Sonhava Mauá com um novo pujante ciclo de desenvolvimento fundamentado na industrialização alicerçada em empresas de capital aberto, sem a maligna intromissão estatal na economia.

Lutou, lutou e lutou, e foi derrotado pela estatocracia que dominava o poder.

No decorrer do século 19, definitivamente consolidou-se no consciente do brasileiro a...

CULTURA ESTATOCRATICA

Que, infelizmente permanece até hoje.


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E Cabiúna veio devaneava com pesar e tristeza, pensando nas Eletrobrás, Siderbras, Telebras, Portobras, entre tantas outras geradoras de despesas, que consumiram bilhões de dólares do povo brasileiro gerador de riqueza, e que sedimentaram solidamente este tumor canceroso, para regalo única e exclusivamente da estatocracia poderosa, balofa, inerte, depravada.

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João e Maria passeiam despreocupadamente pelo gramado gozando o cheiro de terra molhada, catando os cajus maduros, apreciando os gansos galinholas e veadinhos que pastam tranqüilamente, alcançam o pomar, descascam limas da pérsia rosa e chupam seu sumo amargete, e depois saboreiam o caldo docinho das laranjas limas.

Não falam, não pensam, simplesmente gozam o viver.

As maitacas atacam as mangueiras repletas de frutos, as jacas amarelam dependuradas no tronco, as lechias e longanas estão quase no ponto.

É domingo, Dia do Senhor, dia de descanso.

Retornam, Maria deixa-se balançar na cadeira holandesa enquanto João cuida das gaiolas.

Reina a paz naquele lar onde se cultiva justiça.

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Quando uma propriedade rural passa do estagio ‘fazenda’ para empresa rural seu dono perde parte da liberdade tradicional.

O fazendeiro toca a sua fazenda, o empresário rural administra sua empresa.

O fazendeiro obedece a regras e conceitos abstratos, simples, muito elásticos, baseados mais na observação pratica, no conhecimento tradicional.

O empresário rural segue regras sofisticadas, rígidas, pré-estabelecidas, baseadas em conceitos da teoria econômica, onde a técnica se sobrepõe a pratica sem menospreza-la.

O fazendeiro, se o dia está bonito, pode se dar ao luxo de passar a tarde beira rio pescando relaxado.

O empresário rural, Não. Deve e tem que trabalhar diariamente acompanhando o desenvolvimento das ações pré-estabelecidas, corrigindo, modificando quando necessário, para que a meta almejada seja atingida com precisão.

Em vez duma invernada de 100 hectares com 100 garrotes vagueando tranqüilamente, são 20 piquetes de cinco hectares cada, com 300 animais, o que exige um manejo preciso, técnico, com tomadas diárias dos dados das muitas variáveis que compõem a equação projetada.

Do estagio´fazendeiro` para ´empresário rural` é imperioso uma mudança de hábitos , de cultura .

Para se produzir carne de ótima qualidade é mister essa mudança, pois a qualidade só se alcança numa empresa rural.

E é essa mudança que Pedro, Paulo e Sylvio se prepuseram a realizar e estavam realizando com sucesso.

Já eram dezenas de fazendeiros da região que se tornaram empresários rurais produzindo carne de qualidade superior a partir do conhecimento técnico disseminado pelo laboratório.

“E Cabiúna veio matutava satisfeito que quando esta mudança atingir todo o Brasil, quando a terra deixar de ser um bem de poupança e especulação e se tornar um bem de produção baseada na viabilidade técnica e econômica, a tão falada ´´reforma agrária`` perderá o sentido – estará realizada a reforma agrícola produzida pela benéfica mudança de cultura .”

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E Donana matutava:

Como um homem que não foi à escola pode ensinar tanta coisa boa a uma mulher culta como eu. Sim, estou aprendendo coisas importantíssimas com o bom senso do Cabiúna Veio; algo que jamais teria tomado conhecimento se estivesse lá na minha casa cercada do meu povo; seria impossível.

Só lá no Texas, já sendo mulher de pentelho, vim conhecer a

Realidade.

O dinheiro que pagava o meu sustento provinha duma fonte geradora de despesa, pois meu Pai – É – um estatocrata, por outro lado, o dinheiro que o Paulo gastava era fruto do trabalho gerador de riqueza.

Uma diferença brutal e eu não percebia.

Meu filho vai conhecer bem mais cedo do que eu, as duas faces da moeda – a face doirada aqui com o povo do Paulo, e só bem mais tarde a face negra lá da casa materna; sim só vou levar meu filho lá pro Rio de Janeiro depois que ele estiver bem enraizado aqui, pois a ‘cultura estatocrática’ corrompe com suas delicias seduzindo os espíritos ainda inconstantes.

Não há duvida que o Brasil entrou neste novo milênio, mais leve mais justo – o parque siderúrgico, o complexo de comunicações, as ferrovias, que durante décadas geraram despesas consumindo rios e rios de dinheiros do sofrido povo brasileiro, para sustento da poderosa estatocracia, está privatizado desonerando o governo que não mais arcará com o criminoso gasto fruto do desleixo, da incompetência, do descaso da burocracia estatal.

Agora, nas mãos da iniciativa privada, essas empresas pagam impostos e passam a servir o consumidor com respeito e dignidade .

Hoje, eu vejo o peão lá na invernada vender uma partida de reses através dum telefone celular que comprou por 50 dólares no butéco da esquina, fato impensável quando estatal.

A estatocracia está perdendo espaço, seu poder diminui o que é bom pro povo, mas ainda há muito que fazer, pois a ‘cultura estatocrática’ continua enraizada vicejando.

O povo brasileiro ainda não tomou conhecimento da malignidade
que representa esta cultura cancerosa.

Enquanto o estado não for mínimo e o governo justo, não gozaremos a verdadeira Liberdade – e isto vai demorar obstruído pela força da oposição relutante das corporações estatocráticas cujos interesses próprios se sobrepõem aos interesses do povo, que não luta pelos seus direitos, pois não sabe viver em democracia liberal.

Hoje a estatocracia consome oitenta por cento, entre ativos e aposentados, da carga tributaria recebida;

E o povo NÃO tem segurança, educação, saúde, em contra partida.

Ainda pagamos o´ Quinto ` á corte .

Ainda não vivemos na

--´JUSTIÇA`--

Que só acontecerá quando o putrefeito estatocrata for extirpado e em seu lugar for colocado o Servidor Publico sem regalias, benesses e privilégios, e sim, com os mesmos direitos do povo.



- Donana! Pare de rabiscar suas crendices! Parece o Cabiúna! Cadê teu filho?

- Dona Maria, meu filho está com o pai campeando gado, o que muito me orgulha – Graças a Deus!!
Dona Maria não se deixava envolver por problemas que ela não podia resolver – era uma pessoa feliz